segunda-feira, 27 de março de 2017

Tinha para aí uns 16 anos. Era uma adolescente parva, a passar por uma fase de rebeldia, de querer ser diferente, revoltada com tudo. Enfim, fases da vida, que agora me fazem revirar os olhos e esconder a cara sobre as mãos.
E, por trás das roupas escuras, da música barulhenta dos fones e do "ódio" que tentava aparentar, fiquei maravilhada por um senhor, no metro, que dançava as mãos. Parecia que tocava num piano imaginário, ou tateava pelas águas ou massajava o corpo de um gato. Poderia arranjar milhares de metáforas com os gestos que ele fazia com as suas mãos, mas muito resumidamente, era uma bela dança. Sorri, fiquei encantada com a cena. O senhor estava de olhos fechados. Tristemente, não me recordo bem do seu rosto, e se o visse, não o reconheceria, mas lembro-me das suas mãos. Finas, muitos finas, elegantíssimas, dedos longos, de pianista,
Sempre gostei de mãos, É aquela parte da fisionomia da pessoa que me chama logo atenção. As mãos primeiramente que os olhos, talvez. Os olhos são um contacto muito directo, pelas mãos procuro apenas frases soltas.
Observei o senhor a sair da carruagem, sempre com as mãos a dançar.
E, sem o saber, tornou o meu dia bem mais colorido e caloroso.
Um carinhoso obrigado.

segunda-feira, 20 de março de 2017

deitada sobre os teus lençóis,
com o mesmo cheiro da tua nuca,
sinto
as tuas mãos,
navegando
pelas minhas coxas,

 enquanto me poesias pela noite dentro.

e de manhã o verde dos teus olhos
é mais brilhante que a luz que sai da janela.

e mergulho na curva das tuas costas,
tentando encontrar calma no sono,
   e escapar à nossa fervura.


domingo, 19 de março de 2017

                 Quando vê o metro, avança até à ponta do cais, não respeitando o aviso da senhora para não avançar depois da linha amarela. E o cabelo esvoaça e os rostos aproximam-se. Apanho sempre um susto. Talvez ela goste de sentir a velocidade, como uma metáfora para a vida, para a modernidade.


Costuma ter um livro nas mãos. E gosta de sentir as páginas debaixo das unhas.Às vezes está só a olhar para os rostos ou então para a escuridão para lá das janelas e o livro está ali apenas para tatear.


Às vezes fixa muito a porta do metro.
E cria imagens das manchas que lá habitam.
   
    A lua hoje está sorridente, disse ela. Costuma estar melancólica mas hoje está a sorrir. Porque será? Ou sou só eu?
                                          Só eu é que vejo as expressões da lua?
Porque tenho esta necessidade de lhe dar características humanas? Porque penso tanto?

                     Olha só.
Tatea.


Não vejas.
                                                               Não observes.

Mas as nuvens são aborrecidas quando são só nuvens.

E a lua não fala comigo se não vejo lá uma expressão.

E as estrelas não brilham se não pensar quão irreais elas são.

E a relva não é verde, se for só o verde a sua característica.


   Deixa-me arrancar todas as tuas ervas daninhas e rasgar a pele das tuas folhas, e passar os dedos pelo teu cabelo de ouro e beijar as tuas pálpebras até esquecer a cor dos teus olhos.
                                     São verdes.
Ou castanhos?
        Não têm cor, são apenas.

sexta-feira, 17 de março de 2017

16 de Março

Um professor da Universidade de Bonn veio à minha aula de alemão dar uma aula prática muito interessante. 
Pediu-nos para fazermos grupos de três pessoas. Colocou-nos a imagem de um quadro sobre a mesa. Primeiro, pediu-nos para descrever o quadro, o que está retratado, etc. Seguidamente, disse para escrevermos o que sentimos, o que cheiramos, o que saboreamos ao olhar para o quadro, que sensações ele nos dá. Estava para lá de apaixonada com esta aula.
Finalmente, pediu para escrevermos frases com essas palavras e depois escolher as nossas frases preferidas (do grupo) e fazermos um poema.
Tivemos algumas instruções de como o fazer, e decidi colocar aqui o meu. Vou pôr o original, em alemão, e a tradução para português.

Das Ende

Der Himmel schreit Zitronengelb.
Die unhörbar Schreie.

Wir sind genung für Eineänder.

Der Himmel shcreit Zitronengelb.
Die Morgendämmerung kommt mit der Trennung.
Das Echo unserer Ruhe.

Der Himmel schreit Zitronengelb.
Die unhörbar Schreie.

O Fim

O céu grita amarelo-limão.
O grito inaudível.

Nós bastamo-nos.

O céu grita amarelo-limão.
O amanhecer vem com a separação.
O eco do nosso silêncio.

O céu grita amarelo-limão.
O grito inaudível.


Caspar David Friedrich - Auf dem Segler (1818)

quarta-feira, 15 de março de 2017

esta dor no peito,
de sentir,
     que nada sentes

e todas as minhas palavras,
        todos os meus olhares,
a minha dor expressa no rosto,
    vão com o vento que se segue à tua voz.

e dissipa a minha.


sexta-feira, 10 de março de 2017

Há uns dias atrás, enquanto jantava com a minha família, mais um jantar num dia de semana, sagrado, no qual nos reunimos depois dos dias cheios, com cansaço às costas e raiva na garganta. Estávamos na sobremesa, final do telejornal e anunciaram a descoberta de um novo sistema solar, a 40 anos-luz de nós. Parei e fitei a televisão e observei aquelas imagens de planetas de um universo, repleto de corpos estranhos, impossíveis aos meus olhos de alguma vez os alcançar. Sinto um peso no peito, um vazio na cabeça. Dói quando a insignificância nos confronta, quando a realidade é relativa e tudo o que sou é uma ilusão, tudo é imaginário, ou um fragmento do que julgo ser. Oiço o meu pai a informar-se de mais factos sobre o supra-lunar e cada vez me dói mais o corpo e só quero chorar e gritar.
                                      Pai, não somos nada, absolutamente nada.
E depois recordo-me do mundo que somos.
Estes organismos minúsculos inseridos numa área desconhecida, cheia, que transborda existências, que pensam, que sentem, que têm consciência da sua fraqueza perante esta triste realidade. E amamo-nos e abraçamo-nos, e beijamos e procuramos outro corpo, outro mundo, igual ao nosso, para mergulhar, para esquecer a nossa insignificância, e sermos assim, insignificantes, mas de mãos dadas. É esta a nossa natureza, nesta prisão, e observamos com um olho fechado e metade do cérebro desligado, sobre o que vai além da lua, das estrelas, para não lembrar que a imagem que vemos está morta. Se calhar estou morta. Se calhar o que sinto é o que me mantém viva. Talvez pensamentos são o sangue da minha consciência que me mantém existente.

(ao transcrever o texto, apercebi-me da sua mediocridade, mas foi escrito durante uma crise existencial, em que me doía realmente o peito)

quarta-feira, 8 de março de 2017

Sei,
que só me vês
quando me olhas.
Eu vejo-te em todo o lado.
Nos meus lençóis,
no chão do meu quarto,
na minha rua com livros na mão.

Sei,
que nada te sou,
quando não recordas as minhas palavras
ditas ontem.
Quando eu só oiço a tua voz,
enquanto leio poesia.

Sei,
que sou apenas uma voz nos teus dias,
um ser acompanhante das horas vazias,
quando eu te desejo a toda a hora,
e ouvir as tuas palavras,
quando só quero gritar
da dor
de te ser nada.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Vantagens de dias chuvosos:

  1. Gosto de inclinar o chapéu-de-chuva para a frente. Tapa-me o rosto, a vista, e tenho a liberdade de cantar para mim a música que sai dos fones. Posso até fazer uns movimentos leves de dança enquanto passeio pela rua. As pessoas estão concentradas no chão, a certificarem-se que não sujam as botas.
                           E penso.
  Porque é que não posso cantar num dia de sol?
                                Porque é que se dançar na rua, oiço risinhos e sinto olhares pesados em mim?
Porque é que não posso demonstrar esta insignificante coisa que é só...dançar? cantar?

 Porque é que tem de haver sítios específicos para ser eu?

E penso.
É a sociedade.
Mas a sociedade sou eu, és tu, é a mulher que passeia o cão todos os dias às 7 da manhã e passa por mim, sempre com uma camisola diferente, mas com as mesmas calças, só para parecer bem.
Porquê esta incessante preocupação?

Às vezes, passam por mim pessoas na rua a cantarolar. Vozes que seriam os apanhados dos Ídolos, mas o que interessa isso? Sorrio interiormente, ou se calhar sorrio mesmo estupidamente, nem sei. Estas coisas deixam um calorzinho no peito.
Cante, senhor, cante e dance.
Está a chover? Não faz mal, depois é só por as roupas no aquecedor e tomar um banho quente, nem há tempo para os vírus atacarem.