terça-feira, 29 de março de 2016

Um Poema Lamechas

Dá-me a tua mão,
meu querido amado.
Vamos combater a nossa solidão,
Vamos esquecer o nosso Fado.

Dá-me o teu beijo
Entre lágrimas e desejo.
Agarra-me entre os dedos,
Solta-me os cabelos,
E grita o meu nome entre ledos

Seremos felizes neste instante
Que ânsia arrepiante,
de poder olhar-te ao acordar
e infinitamente te amar

domingo, 27 de março de 2016

Carta de despedida

Digo-te adeus, cidade, que me acolheste na tua beleza e encanto, mas agora parto para a minha terra. É terrível pensar que temos de ter uma casa, no sentido de um conforto, um sítio para me recuperar, para me aconchegar. E, com este pensamento, sinto-me uma estranha em ti, querida cidade. Nunca serei tua, nunca me acolherás por completo em ti, e eu compreendo, porque não nasci. Nasci noutra terra, noutra língua, noutra cultura, com outros tons, outros olhos, outras feições e nunca serei como os teus. A culpa não é tua, não é minha, não é de ninguém. É assim que a vida é. Sou obrigada a ser natural de algum lado, não posso simplesmente dizer "sou do nada", "não tenho nome, não tenho casa". Preciso de um nome, de uma casa, de um cartão, para ser alguém. Sendo assim, nunca serei tua. Por mais que ame o teu chão, as tuas paredes, a tua arte, o teu amor, e por mais que te conheça, nunca afirmarei que vim de ti, porque não vim. A minha casa é outro cidade, outro chão, outra vida. E tudo isto foi irreal, não aconteceu, isto foi apenas um amor de verão, que em breve será esquecido, como o vento do final da tarde que abafa a roupa estendida. E em breve esquecerás que os meus pés pisaram o teu passeio, que os meus olhos viram as tuas estátuas, que a minha boca bebeu o teu vinho, o teu café. Tudo será esquecido, tudo foi um suspiro de um segundo, uma paixão breve, uma picada no poro que doeu intensamente, mas logo passou. E, com toda a minha tristeza, digo-te que te amei com todo o meu ser e respirei todo o teu ar, mas está na hora de voltar à minha calçada, ao meu café, ao meu apartamento simples, e resignar-me a este pequeno amor que tenho no coração. Tantas saudades que terei tuas, oh cidade grandiosa, e como feliz me sinto por te ter conhecido. Estarás sempre dentro do meu ser, até ser pó e cinzas.




Outro

O que eu dava para ser outro. Ter outra alma, outra personalidade. Não ser o que sou, ter defeitos mais vulgares, em vez de ser este ser que me repugna sempre que acordo. Como gostava de me livrar desta alminha e deste corpo, destas mãos que não fazem o que eu lhes peço, destes olhos que nada vêm. E ser outro, um ser humano talentoso, útil, inteligente. Mas não. Nasci num rio negro, com mãos de manteiga, olhos preguiçosos, cabeça vazia. E enquanto escrevo isto, este sentimento de querer ser outro, cresce cada vez mais, e lágrimas correm na minha face e o que faço? Eu tento ser outro. Tento ser diferente, tento aperfeiçoar as minhas qualidades e minimizar os meus defeitos, mas continuo a acordar e a ser isto, uma rapariga torta. Tudo em que toco, parte-se ou perde-se. Tudo o que faço, não me chega. E nada muda, nada se altera, continuo a acordar na mesma cama, na mesma, alma, no mesmo corpo, com este sentimento preto, de sonhar ser outro, porque sonhar em mim é inútil.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Que os dias sejam todos assim

Estou no metro, de cabisbaixo, a ouvir uma música qualquer, nem estou a atenta à melodia e à letra, estou perdida na minha observação. Observo aquela senhora de pele escura, com o cabelo preso num rabo de cavalo perfeitamente redondo, com feições bonitas, nariz achatado e boca grande. Está a olhar para o telemóvel, um smartphone daqueles carotes, e usa umas leggings muito justas. Está a viagem toda a olhar para o telemóvel, nunca o desvia, nem se apercebe de que está a ser observada. Aborreço-me e encontro uma mulher com o filho ao colo, parecem carenciados, pelas roupas. A mãe parece chateada, agarra o filho com força, com raiva, ignora-o e ele olha para mim, com aquele olhar inocente e brilhante, e sorri. E eu sorrio de volta para aquele pequeno humano, sorridente, porém, parece sofrer naqueles braços raivosos.

Cheguei à última estação. Verifico se tenho tudo comigo, tenho a tendência a perder as coisas pelo caminho. Olho para a direita e lá estão as minhas vítimas de observação, olho para a esquerda e vejo um homem, ainda jovem, de óculos grandes e casaco de ganga. O homem sai do metro muito apressado, excelente para a minha visão julgadora, e observo o seu andar, muito peculiar. Os joelhos inclinam-se ligeiramente para dentro quando anda, e os pés estão muito direitos, no entanto, não deixa de ser engraçado. E observo-o durante minutos, até sair da estação da Amadora-Este, com umas calças justas e sapatos antigos castanhos, aparentando ser um homem cuidadoso com a aparência.  

E chego ao frio da noite, gélido, a sair nuvens do meu nariz e da minha boca. Fecho o casaco e aperto o cachecol, apresso o meu andar para chegar o mais rápido ao quente das minhas paredes acolhedoras e esquecer este dia, como todos os dias. E cruzo-me com um cão e o seu dono. O labrador ainda pequeno, branco amarelado, parece que me sorri, com aquele olhar tão amigável característico desta raça. E uma lágrima pretende soltar-se de mim, lembrando-me o amor que tive a uma cadela labradora, que ainda hoje está guardada no profundo do meu coração. Olho de soslaio mais uma vez para o animal, e sigo em frente, voltando ao normal e ao meu real, que é chegar a casa e encher o estômago pedinte.

Tropeço numa pedra e encho-me de embaraço. Vejo se ninguém me viu e continuo em frente, fazendo uma careta para mim própria. E fico parada no semáforo, uns minutos que pareceram horas, com esta vontade tremenda de chegar e de me livrar desta gélida noite! 

As ruas encontram-se desertas a esta hora. Acelero o passo, porque tenho medo. Sou um ser frágil e tenho medo. Apresso, quase a correr, para chegar a casa. Tiro a chave do bolso de fora da mala e enfio-a na fechadura. Encontro um vizinho no elevador, lá tenho de falar e sorrir e fingir que sou um ser simpático, adorável e social. E falamos sobre o tempo, sobre o quão gelada está a noite, num dia de Março, e como as alterações climáticas se notam em exagero. Adeus, uma boa noite, com licença. O vizinho sai, graças a Deus, e eu entro na minha casa, a correr para o quarto, ligar o aquecedor, e comer o bacalhau com natas da minha mãe. Que os dias sejam todos assim.

Dançar até doer

Dança até sentires a tua alma a sumir-se do teu corpo, e ganhar vida própria. Dança até te doer os pés, até te arder a cabeça, até não conseguires respirar.
E caem-te as lágrimas e molham-te o corpo e nadas nos teus movimentos, numa beleza incontornável. E és tão bela, tão leve. E falas com os ossos, com os músculos e não preciso das tuas palavras, não te quero ouvir, basta-me ver-te.
E cais no chão, de exaustão, esgotada, amada, bela, completa, e o teu corpo une-se ao meu, por esta dança.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Somente Pensar

Penso e repenso,
Repetidamente,
Mas encontro-me no vácuo.
Penso até me doer a mente,
a alma, o corpo.
E penso até na dor.

Perco tanto tempo a pensar,
A remoer os neurónios.
A sofrer.
Em equilíbrio, sem saber
Se cairei para a esquerda ou para a direita.
E perco-me nos pensamentos.
E mais nada faço.
E tudo dói,
Tudo se desconstrói.

E eu morrerei sem saber,
Sem sentir, sem amar.
Porque somente pensei.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Uma beijo da Natureza

Hoje, uma joaninha pousou na ponta do meu nariz. Cheirava a terra e senti as suas patinhas coladas aos meus poros e fazia-me cócegas. Fechei os olhos e senti um bichinho a viajar pela minha cara. Sentia-a pela minha face. Navegou pelo meu corpo, pelas minhas roupas, até chegar à minha mão e pude observá-la atentamente. Aquele pequeno pigmento vermelhinho, brilhante, colorido, com circunferências negras perfeitas. Oh, que perfeição é este bicho! Um vermelho tão belo, umas bolinhas tão bem desenhadas. A maior artista é a Natureza, não tenho sombras de dúvida. Olhem para este pequeno animalzinho, mais pequeno que a minha unha do mindinho, mas tão vivo como eu, mais belo que eu! E voou. Voou-se-me da mão e vi-a voar, feliz, livre, sem pensar, sem sentir. E sigo-a até a perder. E até me perder em sentimentos de inveja. Quem me dera ser uma joaninha. Ou uma borboleta. Ou outro bichinho pequenino qualquer. Não pensar, não sentir, não raciocinar, não ser. Apenas viver, e ser livre. E voar pela cidade, ver aqueles humanos infelizes, incompreendidos, perdidos e sem vontade de os perceber, e ser livre de mim. E viver com o pouco que tenho e nada precisar. E ser colorida, e ser pequenina, e ser feliz, sem ter consciência para saber isso, porque a consciência é que me faz humana, logo, infeliz. E observo a joaninha, brilhante, dócil, inocente. Livre de si.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Não quero flores

No dia de Mulher, eu não quero flores. Não quero abraços, não quero beijos, não quero atenção por ser Mulher. Deixem-me em paz, eu não pedi para nascer com a fisionomia feminina. Não preciso de um dia para me darem flores e por me darem os parabéns. Porquê? Por ser mulher? Eu não estive naquela fábrica onde morreram 130 mulheres a lutarem pela igualdade. Eu não luto pela igualdade. Eu não pertenço a este dia. Não mereço nada. E não é por ser mulher que mereço um dia para me beijarem. Não quero nada disso, nada disso me faz sentido. Este dia até me faz sentir inferior, insignificante, um ser secundário. "Oh querida toma lá uma flor, és mulher", opá, não me lixem!

Este dia deve ser uma reflexão sobre a desigualdade de géneros, não um beijinho à mãe por ser uma mulher forte. Não é isso que consiste este dia. Este dia é para nos lembrarmos que ainda há raparigas que se casam aos 10 anos, que há mulheres que não podem mostrar o tornozelo na rua, que não podem andar sozinhas na rua, e que são consideradas propriedade dos homens, É para nos lembrarmos que não vivemos num mundo de flores e borboletas e fadas de pó mágico e que aqui estou bem porque consigo estudar e ter uma vida digna. Mas e lá fora? Se eu tivesse nascido nesses países, provavelmente estaria agora casada, com sete filhos, e proibida de sair de casa sem estar de braço dado com o meu marido. Isto sim mete-me nojo! É para isto que deve ser o dia da mulher. Um dia para termos consciência que uma mulher tem medo de andar na rua à noite, tem medo de usar saias, tem medo de ser segura do seu próprio corpo.

Portanto, não quero flores. Quero poder vestir o que me apetecer, fazer e dizer o que eu quiser, poder andar na rua sem medo de olhares alheios, bocas ridículas e saber que posso ser livre de mim, digna de tudo, com todos os direitos a que tenho. E ser mulher não é ser um ser forte, um ser bondoso, uma mãe, uma filha, uma tia. É ser livre e poder saber que não precisa de um dia para se lembrar disso. Para que não exista um dia da Mulher, mas que exista um dia da Igualdade de Géneros, um dia para nos lembrar que temos de lutar por todas as mulheres que não têm liberdade.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Leva-me

Afogo os pés nesta água gélida, de um rio algures nesta floresta imensa na qual me perdi. Sinto o frio entrar-me nos ossos como o vento se entra pela casa e solta os papéis pelo chão. Arrepios passam-me pelo corpo frágil. Sempre fui franzina, com pouca carne nas pernas e sem bochechas. A minha avó bem me fazia bolos e biscoitos, e eu comia-os bem, mas nem um milímetro de gordura me aparecia. Com este corpo que me deram, pouco pude fazer com a minha vida, e tudo me dói mais que aos outros. E a minha mente acabou por ficar igual ao corpo. Que tristeza a minha. E agora estou aqui, perdida algures na Natureza, com os pés mergulhados num riozinho gelado, com aquelas pedrinhas pequeninas a picar-me as plantas dos pés, mas já não me custa. Com o tempo, a dor deixa de ser sentida, entranha-se em nós e o corpo habitua-se a ela. Sento-me na relva à beira do rio, e sinto as ervinhas a cravarem-se nos meus poros, abertos devido ao frio que me percorre a espinha. E deito-me. E sinto-as nas costas, a fazerem-me cócegas nas vértebras, no crânio, para me relembrarem da minha fragilidade. E solto os braços, dois palitos fracos, estendidos no espaço e, pela primeira vez da minha curta vida, me sinto mesmo leve. De alma, de espírito, de corpo, de vida. E deixo que o vento me leve, finalmente. Leva-me vento, entre os teus sussurros e as tuas palavras, e deixa-me saborear a liberdade.


domingo, 6 de março de 2016

Análise: O Céu é apenas um Disfarce Azul do Inferno

O Céu é Apenas um Disfarce Azul do Inferno é uma coreografia de Dança Contemporânea, inserida no Festival Cumplicidades. Dia 6 de Março, decidi escapar-me destas quatro paredes e ir ver este espetáculo que, pela descrição e conceito, parecia-me interessante e invulgar. E foi mesmo. Nunca tinha visto nada assim, num evento de Dança Contemporânea. Fiquei fascinada, louca, translúcida, tantos sentimentos confusos me passaram pela cabeça, e pelo corpo! Um espetáculo enriquecedor, diferente, que rebentou com todas as minhas expectativas e com todos os meus conceitos que tinha antes, sobre o que era realmente, Dançar.

Os bailarinos representaram tão bem o Inferno, a loucura, as heresias, tudo através do corpo, da mente. Na descrição do evento, mencionam que esta criação é baseada na cultura portuguesa, no medo do Inferno, medo da loucura, e foi realmente o que vi neste espetáculo: a loucura, a dor. Porém, vi poesia, vi amor, vi carinho. Foi o espetáculo mais estranho, mais fabuloso, mais místico, que eu já vi. Os bailarinos soltavam o seu corpo, a sua mente, como se os estivessem a abandonar, como se fossem meros instrumentos, que se mexiam, repletos de excitação. 

Devo frisar que, ao início, estranhei imenso o método de representação e questionei-me, isto é Dança? Porque eles saltavam, estavam em convulsões, atiravam-se ao chão, e custou-me habituar a este tipo de Dança, e ao longo do espetáculo, fui amando cada corpo dos bailarinos, cada gesto, cada conceito que eles expressavam e foi magnífico. Aplaudi, sorri, senti tudo! Cada gesto, cada convulsão, cada som, cada cansaço, cada pingo de suor a sair pelos poros dos dançarinos. Foi uma bela performance. 

Sempre vi a dança como a literatura do corpo, este expressar de pensamentos, de palavras, de sentimentos, através da fluidez do nosso corpo. E este espetáculo enalteceu este meu conceito. Foi realmente um choque para a minha bolha da Dança e me fez perceber que o mundo da Dança é maior do que eu pensava. E penso explorá-lo a finco.


sábado, 5 de março de 2016

Ilustrar palavras

 Estava a almoçar no outro dia, ou a jantar, não me recordo bem, mas sei que estava a comer e a ver televisão com a minha família. E, não sei como, um neurónio iluminou-se e questionou-se-me "Porque não ilustras o que escreves", e este clique originou uma grande ideia que se me apoderou de mim. Já que ando a escrever tanto, porque não ilustrar o que escrevo, visto que é uma área que adoro, e que até tenho jeito para coisa.

Então aqui está, a minha primeira ilustração de uma criação minha, de um poema que já publiquei no blog, que se entitula de "Feita de Sal". Para não estarem a voltar para trás à procura do raio do poema, disponibilizo-o debaixo da imagem. Espero que vos agrade.


Sou assim
Sal.
Em vez de carne, veias, ossos,
Sou feita de sal.
O sal que salga
Que dói
Que desconstrói
Que mói.

O sal que não deixa crescer
O sal que faz doer,
O sal que não amanhece
Que não nasce
Que não deixa nascer.

O sal que nada no mar,
Que arranha a garganta,
Que corrói por dentro
Que te come
E a dor é tanta
Que te consome
E um dia,
Acordas vazia.
Com sal a correr-te no sangue,
Que toca
E em pedra se transforma.



Tempo fugaz

Sempre gostei de me sentar na cadeira de madeira velha, com os estofos as descoserem-se, e ouvir as histórias da minha avó. Ouvia as palavras, olhava  para as suas rugas que lhe rasgam o rosto, como se cada uma contasse uma história, como se cada uma fosse uma ferida dos longos anos vividos. Ela fala-me da sua mãe, que tocava piano de olhos fechados e com um sorriso nos lábios, e que as pessoas lá fora batiam palmas, e como ela usava chapéus diferentes, um para cada música que tocava nas teclas. E sempre me disse que eu tinha os olhos e o nariz da sua mãe, e os dedos longos e a sua alminha bondosa. E cresci a ouvir que sou olhos grandes, nariz pequeno, dedos longos, a rapariga do chapéu e do barrete, a moça sensível e generosa. Mas nunca me disseram que a minha vida seria uma batalha devido a esta alma caridosa. E eu adormecia a ouvir as músicas da bisavó, as palavras da avó e das suas rugas, com aquele brilhosinho nos olhos, um desejo de voltar ao passado e refazer aquelas feridas de rosto. E penso que um dia eu também terei arranhões cravados na minha face, aquela tristeza no olhar, e umas mãos sem dedos longos, apenas com pele envelhecida. Não me entristeço neste pensamento, porque é inevitável eu tornar-me assim. Este passar do tempo, que me suga a juventude, é imutável e nada posso fazer. E penso que posso fazer muito coisa. Muita coisa para olhar para o passado com o olhar da minha avó, com orgulho na voz, que abraça este presente que construiu, e ama a sua pequena família, rodeada de filhos e de netos. Mas eu nasci agora. Nasci num tempo de ingratidão, de dor, de tristeza. E todos os dias escorro uma lágrima de tristeza. De saber que nunca serei feliz como a minha avó, e que nunca fecharei os olhos, sorrindo, repleta de chapéus, e de filhos, e de netos. Que o mundo em que nasci gera sofrimento, e vivo a pensar que nunca conseguirei realizar os meus desejos, que não tenho força, que os meus longos dedos não me elevam este corpo inerte. E continuo a ouvir a minha avó e a admirar as suas rugas, os seus olhos brilhantes, a sua felicidade e força, e o mais estranho, é que não a invejo. Não invejo a sua alegria, o seu bem-estar na velhice. Fico feliz. E quando estarei na minha cama de lençóis brancos, com a pele enrugada, olhos baços, cabelos brancos mortos, lembrarei o seu sorriso, a sua voz, as suas palavras felizes e a sua coragem.

Deambular em ti

Esta ilusão
De não te ser
Um sussurro de ar,
Que esvoaça os finos
E dourados cabelos teus.

Esta sensação 
De cair no abismo,
Quando os teus braços 
Me rondam as ancas.

Um vazio no coração,
Quando os teus doces e grossos lábios
Me beijam
As minhas frágeis e tristes pálpebras.

E seguro-me pelo teu tronco,
Forte e suave como as tuas palavras
Que me entram pela mente,
E me faz amar-te.
Devagar.
Como uma planta a florescer.

E encontro-me assim,
Mergulhada na tua alma, 
Perdida entre os teus neurónios.
Sem chão para me segurar
Deste amor deambulante.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Rima sem Harmonia

Sou linhas de contorno
Que nadam na tua tela
Que me limitam o corpo
E me fazem bela

Desenhas-me sem saber
O que realmente é não querer
Ter um corpo
De espírito morto

Sem cor,
Sem textura,
Desenhas-me sem amor
Ausentas-me de ternura

E sou mais um corpo,
Deitado na tua sala,
Ossos,
Um conjunto torto
Sem amparo, sem onde ir
Que nem tu me consegues sentir

E sou apenas contorno
Uma linha
Na tua tela
E eu sei
Que minha
Nunca ouvirei da tua boca