segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Review: Relatos Selvagens de Damián Szifron

Relatos Selvagens é um filme argentino que contém seis histórias diferentes. Basicamente são vários filmes dentro de um mesmo filme, que acabam por ter uma ligação. Achei o conceito interessante, porém, é diferente. Primeiro estranha-se, pois estamos habituados às histórias contínuas, a conhecer as personagens e seguir uma ação, o que aqui não acontece. Cada história tem o seu tema e as suas personagens, mas vão todas dar ao mesmo conceito: o nosso lado mais selvagem. Estas pequenas histórias apenas afirmam a complexidade do ser humano, e como a sua verdadeira natureza se esconde por trás desta sociedade civilizada e sobre estas máscaras sorridentes que colocamos todos os dias.
(se querem ver, não leiam este parágrafo)

 A história introdutória passa-se num avião. Um homem inicia uma conversa com a mulher que está ao seu lado, provavelmente por ela ser bonita. Conversa de circunstância, mas através desta, descobrem que conhecem uma pessoa em comum. Sendo ele crítico de música clássica, e tendo ela um ex-namorado que era estudante de música clássica, Gabriel Pasternak entra na conversa. O crítico conta o episódio de quando Pasternak compõe uma música e envia para um concurso, uma música, aparentemente, horrível e intragável para os ouvidos. Entre críticas e memórias da personalidade e feitos de Gabriel Pasternak, uma outra senhora intervém, afirmando também conhecer o rapaz. E, por acaso, também não tem boas memórias deste. Demasiadas coincidências para se afirmarem como tal, o crítico exclama bem alto se mais alguém conhece Gabriel Pasternak. Toda as pessoas que estavam no avião conheciam. Incluindo a hospedeira, que vem avisar as pessoas que Gabriel Pasternak trancou-se com o piloto e co-piloto. Já sabemos o final, obviamente. No entanto, o psiquiatra de Pasternak tenta persuadi-lo, dizendo que toda a sua frustração e falhanço na vida são frutos de uma má educação e pressão pelos pais, e que as pessoas que ali estavam não tinham culpa de nada. E onde o avião vai cair? Em cima da vivenda dos pais.

Todas as histórias que se seguem têm este enredo estranho, mas genial, temos de admitir. Todas sobre a loucura, maldade, corrupção, vingança, enfim, que temos dentro de nós, todos nós. As personagens das histórias somos nós. Vemo-nos ao espelho, no que somos capazes de fazer sem nos apercebermos, que num ato de loucura, de impulso, conseguimos ser o que odiamos. Pequenas curtas-metragens impressionantes, extremamente reais e humanas.
Cinema argentino e espanhol já estão na minha lista cinematográfica para serem explorados.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Por vezes tenho uma estranha sensação, uma onda emocional que me atravessa o corpo por breves segundos, que me faz amar a vida. Esteja eu na rua, a sentir o vento gelado no rosto, ou a observar uma cara que nunca antes vi, ou quanto estou com os pés mergulhados no mar. Não sei, a vida tem algo de maravilhoso que se esconde nestes breves instantes insignificantes. Dá-me vontade de correr para o horizonte e esquecer tudo, esquecer-me. Estranhamente, conforta-me. Talvez sejam pequenos momentos espirituais que o meu corpo precisa e alerta-me, não sei, mas é um estado alegre em que às vezes me encontro. O meu corpo, no entanto, prende o que a minha alma deseja. Impede-me de tanta coisa, de tantos sentimentos e sensações que quero viver, sinto que a dimensão da minha alma é enorme para este corpo fraco. Ou talvez não. Talvez todo o meu ser é uma enorme fraqueza e instabilidade. Se calhar sou eu própria que me impeço, que nego tudo o que quero sentir.
Enfim, já nem sei o que estou para aqui a dizer.
É assim que me encontro na maioria dos dias. Perdida, confusa, instável, farta.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Fado de Jonas Rothlaender

Nem sei por onde começar. Talvez por expressar o gosto que tive a assistir este filme. Um filme com uma grande densidade psicológica e emocional, que permitiu uma enorme viagem pelos sentimentos humanos e pelas suas fraquezas.
Aviso já que esta Review é um enorme Spoiler.
O filme inicia com uma filmagem muito breve de ondas do mar. Ondas de metros, cheias de espuma, onde que se atreveria a dar um mergulho, provavelmente não voltaria à tona. Uma coisa muito especial também do filme, é a intensidade do som. Ouvimos as ondas como se estivessem mesmo à nossa frente fisicamente.
Depois é introduzida a personagem, Fabian, um médico residente em Berlim, no seu local de trabalho. A primeira cena é ele a tentar salvar uma paciente que chega das Urgências que lhe atormenta. Pensamos que talvez a conhecesse, mas não. Ela morre e ele permanece inexpressivo e sem emoções, pelo menos, demonstráveis. E na cena seguinte, está Fabian no carro, em Lisboa. Reconhecemos a segunda circular, a praça do Marquês de Pombal, as ruelas lisboetas, enfim. É de salientar que, ao longo do filme, não foi mostrada uma Lisboa turística, mas sim a Lisboa típica, a Lisboa dos portugueses.
Seguidamente, vemos Fabian a observar uma mulher do seu carro, acompanhada por um colega de trabalho, Francisco (interpretado por Albano Jerónimo) o que causa alguma inquietação em Fabian, no entanto, este é uma pessoa reservada e apática, não demonstra, de todo, os seus sentimentos e emoções, ao longo de todo o filme. Fabian segue Doro e mostra-se. Doro fica surpreendida por vê-lo e ao mesmo tempo, incomodada. Mesmo assim, decide acompanhá-lo e passeiam os dois por Lisboa. Reconheço a Feira da Ladra, e Fabian repara num desenho que retrata o terramoto de 1755, e fica durante algum tempo a mirá-lo, até tende a comprá-lo, mas o vendedor faz um preço exorbitante (isto parece irrelevante, eu sei). Doro e Fabian começam a falar sobre a sua relação, o que finalmente ilumina um pouco o visualizador, porque não se estava a entender o enredo até aí. Basicamente, Doro aceitou um emprego em Lisboa e Fabian queria ficar em Berlim, não tendo a certeza que o seu amor iria suportar a distância de 3 mil km. Pelos vistos, não aguentou. E, passeando à beira do Rio Tejo, Doro segura-lhe a mão e decidem tentar.
Tudo parece maravilhoso. Amam-se, estão felizes, até o monstro de Fabian acordar, lentamente.
O ciúme. O ciúme que vai corroendo as células de Fabian, que o vai destruindo. Todos os gestos, sorrisos, palavras de Doro parecem desonestas. Ela anda com outros. Ela difama Fabian. E tudo está na sua cabeça. E é impressionante como o filme é uma viagem dentro da cabeça do Fabian e ao mesmo tempo, da realidade das coisas que vão acontecendo, e chega a uma altura, que nos sentimos perdidos. O que é imaginado e o que é real?
Durante o filme vemos várias vezes, trocas de carinho entre Doro e Francisco, e nem sei se realmente aconteceram ou se era o monstro de Fabian.
Saliento mais uma vez, que Fabian não tem expressão, não tem paixão. É apático, e isso é de estranhar de imediato. Mas sabemos que ama Doro, muito. E perde o controlo desse amor. E vê-se completamente perdido, e precisa de ver o que ela está a fazer, no que ela está a pensar. Começa a persegui-la, a ver o telemóvel dela, a sua máquina fotográfica. É de loucos, mas isto acontece, O ciúme é um dos piores sentimentos que existe, porque é realmente incontrolável, é algo que nos corrói por dentro. Mas é também um sentimento que nasce da insegurança, da falta de amor próprio, da fraqueza. E Fabian era um homem fraco. Tão fraco, que acaba por ficar sozinho.
Uma das cenas que me deixou muito confusa e perplexa é quando Doro decide terminar com ele, e logo a seguir vai para o hotel com Francisco. Fabian persegue-os, entra no hotel e procura o quarto, e começa a ouvir gemidos. Quando Doro sai do quarto e dá-se com Fabian, fica incrédula. E o espectador também, ele só pode ser louco. E assim que ele se vai embora e ela regressa ao quarto, ela desata-se a rir com Francisco e um empregado de hotel. Como assim?
E no fim, percebemos. Era tudo da cabeça de Fabian. A raiva que ele sente dentro de si, que tem de guardar naquele rosto apático, nos olhos inexpressivos, no sorriso forçado.
E vai continuar a persegui-la.
Até ela lhe ligar e dizer que está com outra pessoa, que está tudo acabado,mais uma vez.
E ele vai atrás dela, entra no seu apartamento e aguarda por ela e pelo novo namorado e decide assistir ao momento íntimo. Esta parte é muito intensa. O filme está maravilhoso também pela sua sonoridade. Há muitas paragens, apenas para ouvirmos a respiração, os gestos, as ondas, enfim. E nesta parte assistimos à respiração de Fabian que se vai alterando à medida do que vai vendo. Ouvimos as suas lágrimas, o seu fôlego, os músculos a contornarem-se, até não aguentar, sai do armário e espanca o novo namorado de Doro. E, na sua raiva e momento de irracionalidade, bate também em Doro.
Fabian foge, vai para um bar do Cais do Sodré, solta o corpo, a raiva, a dor. É espancado pelos seguranças e fica deitado numa ruela a chorar, a sangrar. E nesse momento, dá-se um pequeno sismo. Ouve-se gritos, agitação, pessoas a correr. E Fabian vai para o mar a seguir, na tentativa, talvez, de o mar o sugar, como foi em 1755.

Um filme sobre a fraqueza humana e como somos tão profundos, tão complexos, tão incompreensíveis, e como os nossos sentimentos tomam controlo da nossa racionalidade.

Não estou familiarizada com cinema alemão mas vou estar mais atenta no que se faz na Alemanha, porque achei este filme fabuloso, e é curioso ser o primeiro filme de Jonas Rothlaender e este ser tão jovem, um realizador que merece a nossa atenção. A filmagem estava muito boa, a maneira como me senti dentro da cabeça do Fabian, e foi belo ver a minha cidade aos olhos de estrangeiros. Uma personagem disse, e volto a citar "Quando estou feliz, Lisboa está feliz comigo, e quando estou triste, Lisboa está triste comigo. Lisboa acompanha-me" (se calhar não são estas as exatas palavras).

Vejam!

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Review: Brokeback Mountain

Ah e tal, o filme dos paneleiros. 
Não.
Um filme emocionalmente forte. Um filme que treme com todas as nossas paredes preconceituosas, as que ainda existem, infelizmente. 
Não sei, mas o filme mexeu bastante com a minha pessoa. A maneira como duas pessoas se amavam de tal maneira, um amor tão verdadeiro, mas tinham de se esconder e viveram sempre incompletos, com um vazio. É triste, porque é real. Ainda hoje acontece. Uma pessoa não poder ser ela própria, não poder ser feliz. 
O filme retrata perfeitamente esta realidade. Felizmente, caminhamos para uma sociedade mais tolerante. Tolerante nem é a palavra certa porque não há nada de errado em amar as pessoas, sejam de que sexo forem, mas enfim.
Dois homens que se apaixonam, mas que devem esconder esse amor, viverem a sua vida como deve ser, segundo a sociedade. Casam, têm filhos, põem uma máscara, fingem amores, fingem ser. Impedidos de se amarem. E se o fizerem, vivem com o medo dos olhares, dos julgamentos, das agressões. Porque o ser humano é estúpido ao ponto de julgar, violentar, matar alguém por esse amar, simplesmente. O amor, o sentimento mais puro e verdadeiro, o sentimento que une o ser humano! Enfim, transcende-me o facto da homossexualidade ainda não ser aceite, não consigo compreender. E os argumentos de não ser natural, pois não prolongam a espécie são inválidos, pois a homossexualidade sempre existiu. E o mais estapafúrdio é não ser aceite pela religião, ora, pensemos: se Deus é o criador de toda a existência, então criou a homossexualidade, não? 
Vamos amar-nos, vamos acabar com o ódio e com a intolerância. 
Demos as mãos, por favor.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Estou sem imaginação.
Estou frente a este ecrã, com a televisão ligada para não me sentir tão sozinha no apartamento.
O gato está a dormir noutra divisão da casa.
O meu peito está vazio. A minha cabeça também, para chegar a este ponto.
Deveria estar a ler um livro. Ou ver um filme que me faria chorar a noite inteira e questionar a minha existência. Ou não.
Ou posso simplesmente respirar, preencher o meu cérebro de séries superficiais, rir-me, aconchegar-me na manta quentinha, feita pela minha avó, e agradecer aos meus pais mentalmente por me darem este conforto.
Amanhã leio.
Amanhã vejo um filme para pensar.
Amanhã choro tudo o que tenho para chorar.
Amanhã abraço os meus amigos, beijo a minha mãe, vou a um museu.
Hoje, não quero ser nada.
Rigorosamente nada.
Estarei sempre assombrada pela minha mente. Pelas coisas que ela não consegue esquecer, pelos pensamentos e memórias com que ela me ataca às três da manhã, que me impede de adormecer sem um aperto no peito, sem um arrepio na pele. Às vezes, passeio sozinha, e tudo me vem à mente. O abraço apertado naquela rua, as fotografias tiradas naquelas escadas, as conversas debaixo daquela árvore, enfim. E não são apenas fragmentos do passado. São bocados do meu ser. Nunca consegui ver o passado como algo indiferente, algo que se ultrapassa, que se esquece. O passado sou eu. O passado são pessoas que amei, que quis, que senti. Tudo o que foi, eu sou. E sentir-me-ei sempre assim, nunca estarei sozinha. As pessoas que outrora beijei no pescoço, são agora fantasmas que me abraçam nas horas vazias, nos momentos de solidão. É triste, custa às vezes aqui, dentro do peito, mas não posso escapar ao meu ser. Assim sou, assim serei.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O metro está cheio, para variar. Os meus fones estragaram-se, e agora? Bem, fico a observar as pessoas. Agarro o ferro, húmido, rodeada de seres humanos estranhos. Não tenho espaço para tirar o livro da mochila, e mesmo que tivesse, nem tinha espaço para o abrir. Olho para os meus companheiros de espaço. Uma senhora de cabelo apanhado, loiro baço, na casa dos 50, talvez, não sou boa a julgar idades. Tinha uma sombra branca nos olhos, não lhe ficava lá muito bem, na minha opinião. Ia a olhar para os pés, ou para o chão, do pouco que se via dele. No metro, todos parecem tristes, não consegui captar bem a sua expressão. A seu lado, estava uma mãe e a sua filha muito pequena, que me tocou na mão durante a viagem e lancei-lhe um sorriso, o mais sincero que consegui fazer. Também observei um homem, mas não me recordo bem da sua figura. Acabei também por me render ao chão e aos pés, e ficar presa aos meus pensamentos e desligar-me do meu sentido da visão. E pensei em ti. Penso em ti todos os dias, mas nestes espaços vazios e inócuos, nestes momentos de completa solidão e individualidade, vejo-te mais nitidamente. Sinto o teu toque na minha mão, um beijo no cabelo e palavras para me salvar deste sentimento de estar sozinha. Vejo-te no metro, vejo-te na rua quando o vento me bate com força no rosto, vejo-te nas minhas paredes que ouvem os meus gritos, vejo-te deitado nos meus lençóis. 
E assim passam dias, semanas, meses, e continuas a dissipar-me do olhar. 
E assim te procuro, nos espaços dos meus dias, no vazio do meu ser, na rua onde nos abraçamos tantas vezes, no chão que pisaste, nas portas por onde entraste, e tudo é um rasto teu, nosso, que não é mais palpável. E sei que não posso voltar atrás. Só me resta esta esperança, que sabe a tão pouco.