domingo, 22 de janeiro de 2017

Fado de Jonas Rothlaender

Nem sei por onde começar. Talvez por expressar o gosto que tive a assistir este filme. Um filme com uma grande densidade psicológica e emocional, que permitiu uma enorme viagem pelos sentimentos humanos e pelas suas fraquezas.
Aviso já que esta Review é um enorme Spoiler.
O filme inicia com uma filmagem muito breve de ondas do mar. Ondas de metros, cheias de espuma, onde que se atreveria a dar um mergulho, provavelmente não voltaria à tona. Uma coisa muito especial também do filme, é a intensidade do som. Ouvimos as ondas como se estivessem mesmo à nossa frente fisicamente.
Depois é introduzida a personagem, Fabian, um médico residente em Berlim, no seu local de trabalho. A primeira cena é ele a tentar salvar uma paciente que chega das Urgências que lhe atormenta. Pensamos que talvez a conhecesse, mas não. Ela morre e ele permanece inexpressivo e sem emoções, pelo menos, demonstráveis. E na cena seguinte, está Fabian no carro, em Lisboa. Reconhecemos a segunda circular, a praça do Marquês de Pombal, as ruelas lisboetas, enfim. É de salientar que, ao longo do filme, não foi mostrada uma Lisboa turística, mas sim a Lisboa típica, a Lisboa dos portugueses.
Seguidamente, vemos Fabian a observar uma mulher do seu carro, acompanhada por um colega de trabalho, Francisco (interpretado por Albano Jerónimo) o que causa alguma inquietação em Fabian, no entanto, este é uma pessoa reservada e apática, não demonstra, de todo, os seus sentimentos e emoções, ao longo de todo o filme. Fabian segue Doro e mostra-se. Doro fica surpreendida por vê-lo e ao mesmo tempo, incomodada. Mesmo assim, decide acompanhá-lo e passeiam os dois por Lisboa. Reconheço a Feira da Ladra, e Fabian repara num desenho que retrata o terramoto de 1755, e fica durante algum tempo a mirá-lo, até tende a comprá-lo, mas o vendedor faz um preço exorbitante (isto parece irrelevante, eu sei). Doro e Fabian começam a falar sobre a sua relação, o que finalmente ilumina um pouco o visualizador, porque não se estava a entender o enredo até aí. Basicamente, Doro aceitou um emprego em Lisboa e Fabian queria ficar em Berlim, não tendo a certeza que o seu amor iria suportar a distância de 3 mil km. Pelos vistos, não aguentou. E, passeando à beira do Rio Tejo, Doro segura-lhe a mão e decidem tentar.
Tudo parece maravilhoso. Amam-se, estão felizes, até o monstro de Fabian acordar, lentamente.
O ciúme. O ciúme que vai corroendo as células de Fabian, que o vai destruindo. Todos os gestos, sorrisos, palavras de Doro parecem desonestas. Ela anda com outros. Ela difama Fabian. E tudo está na sua cabeça. E é impressionante como o filme é uma viagem dentro da cabeça do Fabian e ao mesmo tempo, da realidade das coisas que vão acontecendo, e chega a uma altura, que nos sentimos perdidos. O que é imaginado e o que é real?
Durante o filme vemos várias vezes, trocas de carinho entre Doro e Francisco, e nem sei se realmente aconteceram ou se era o monstro de Fabian.
Saliento mais uma vez, que Fabian não tem expressão, não tem paixão. É apático, e isso é de estranhar de imediato. Mas sabemos que ama Doro, muito. E perde o controlo desse amor. E vê-se completamente perdido, e precisa de ver o que ela está a fazer, no que ela está a pensar. Começa a persegui-la, a ver o telemóvel dela, a sua máquina fotográfica. É de loucos, mas isto acontece, O ciúme é um dos piores sentimentos que existe, porque é realmente incontrolável, é algo que nos corrói por dentro. Mas é também um sentimento que nasce da insegurança, da falta de amor próprio, da fraqueza. E Fabian era um homem fraco. Tão fraco, que acaba por ficar sozinho.
Uma das cenas que me deixou muito confusa e perplexa é quando Doro decide terminar com ele, e logo a seguir vai para o hotel com Francisco. Fabian persegue-os, entra no hotel e procura o quarto, e começa a ouvir gemidos. Quando Doro sai do quarto e dá-se com Fabian, fica incrédula. E o espectador também, ele só pode ser louco. E assim que ele se vai embora e ela regressa ao quarto, ela desata-se a rir com Francisco e um empregado de hotel. Como assim?
E no fim, percebemos. Era tudo da cabeça de Fabian. A raiva que ele sente dentro de si, que tem de guardar naquele rosto apático, nos olhos inexpressivos, no sorriso forçado.
E vai continuar a persegui-la.
Até ela lhe ligar e dizer que está com outra pessoa, que está tudo acabado,mais uma vez.
E ele vai atrás dela, entra no seu apartamento e aguarda por ela e pelo novo namorado e decide assistir ao momento íntimo. Esta parte é muito intensa. O filme está maravilhoso também pela sua sonoridade. Há muitas paragens, apenas para ouvirmos a respiração, os gestos, as ondas, enfim. E nesta parte assistimos à respiração de Fabian que se vai alterando à medida do que vai vendo. Ouvimos as suas lágrimas, o seu fôlego, os músculos a contornarem-se, até não aguentar, sai do armário e espanca o novo namorado de Doro. E, na sua raiva e momento de irracionalidade, bate também em Doro.
Fabian foge, vai para um bar do Cais do Sodré, solta o corpo, a raiva, a dor. É espancado pelos seguranças e fica deitado numa ruela a chorar, a sangrar. E nesse momento, dá-se um pequeno sismo. Ouve-se gritos, agitação, pessoas a correr. E Fabian vai para o mar a seguir, na tentativa, talvez, de o mar o sugar, como foi em 1755.

Um filme sobre a fraqueza humana e como somos tão profundos, tão complexos, tão incompreensíveis, e como os nossos sentimentos tomam controlo da nossa racionalidade.

Não estou familiarizada com cinema alemão mas vou estar mais atenta no que se faz na Alemanha, porque achei este filme fabuloso, e é curioso ser o primeiro filme de Jonas Rothlaender e este ser tão jovem, um realizador que merece a nossa atenção. A filmagem estava muito boa, a maneira como me senti dentro da cabeça do Fabian, e foi belo ver a minha cidade aos olhos de estrangeiros. Uma personagem disse, e volto a citar "Quando estou feliz, Lisboa está feliz comigo, e quando estou triste, Lisboa está triste comigo. Lisboa acompanha-me" (se calhar não são estas as exatas palavras).

Vejam!

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