domingo, 30 de outubro de 2016

Vou contar duas histórias da minha vida, uma triste, outra feliz, para vos dizer que as memórias ficam desfocadas, mas as sensações e os sentimentos ficam sempre guardados em nós.

Vou começar pela triste: o meu primeiro desgosto. Tinha eu três anos. Estava em casa da minha avó, à mesa, um jantar de família normal. A toalha de mesa era de um verde natalício. E lembro-me da voz da minha mãe ao meu ouvido, uma voz doce e triste, que me diz "Inesita, a Babi morreu...foi atropelada. Desculpa, filha..", e sei que fiquei sem resposta, sem expressão, sem reação. Não disse nada. E depois disso, a minha memória falha-me, mas esse momento ficou-me. Talvez por ser a primeira morte, mesmo sem ter tido consciência disso, provavelmente não sabia o significado da morte, da sua obscuridade, do que ela implicava. A cadela que eu tanto adorava, desapareceu. Dormíamos juntas, partilhavamos comida, dançavamos, Pelos menos são que as fotografias me dizem. Olho para as fotografias com um vazio. Eu não me lembro dela, eu não conheço este ser, não sei quem eu era com ela. Mas lembro-me do seu desaparecimento, lembro-me do meu pequeno desgosto ingénuo, uma tristeza inconsciente talvez. Não me lembro do que fiz, mas lembro-me do que senti. E ainda hoje penso nela, e ainda choro por ela. Nunca me esqueço, nunca me vou esquecer.

A feliz é também uma memória da minha infância. À noite, eu e o meu irmão pedíamos ao nosso pai para brincarmos à Múmia ou ao Monstro, um jogo, digamos, de terror. Apagávamos as luzes,o  meu pai fazia de múmia, enrolado em mantas, e nós os dois, duas crianças ingénuas, esperávamos pelos seus movimentos, e gritávamos e ríamos. O monstro era também às escuras, onde o nosso pai entrava pelo quarto silenciosamente e quando chegava ao pé de nós, gritava e fazia de monstro. Era a pura alegria. Ríamos e ríamos, duas crianças, dois bebés, felizes, sem preocupações. Mas isto eu lembro-me perfeitamente, Lembro-me de rir e não pensar em mais nada, apenas naquela felicidade passageira. E vivia para aquilo, era a minha alegria, o meu desejo. 

E é isto que fica. Ficam as sensações bem guardadas. As pessoas vão, as coisas morrem, mas nunca me esqueço do que elas me fizeram sentir, levo tudo comigo, a minha enorme bagagem de sensações e sentimentos, todos os dias. E não é pesada, de todo. Pelo contrário, faz-me sentir leveza.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Review: Le Diamant Noir

Há duas semanas, o evento Festa do Cinema Francês ocupou metade do meu tempo, sendo o cinema francês uma das minhas grandes paixões. E não pude perder, como é óbvio, mesmo tendo uma agenda cheia de aulas e matérias para estudar (irrelevante).
Tive a oportunidade de ver 6 filmes, todos maravilhosos à sua maneira. Gostaria de escrever sobre os seis mas as palavras não chegam. Decidi escrever sobre o Diamante Negro.

Le Diamant Noir é um filme estranho. Muito estranho. Mas os melhores filmes são esses, certo? Começa por ter uma sinopse invulgar. Uma família que fabrica e comercializa diamantes, em França, provavelmente descendentes de alemães (pelo menos, o apelido era alemão e falavam alemão). O filme começa com dois rapazes jovens, um a polir um diamante, e outro a observar, por volta dos anos 60/70. E o rapaz que polia, sofre um acidente, a sua mão entra na máquina e consequentemente, fica sem ela. Esta cena é nos apresentada com um início de máximo silêncio, com uma filmagem crua, com zooms muito fortes, e apenas ouvimos o grito do rapaz e, o rapaz ao lado dele, que mais tarde sabermos ser o seu irmão, nada fez, apenas observou. Portanto, o filme começa logo de um modo chocante, deixando muito a desejar.

Estamos agora em 2015, e é-nos apresentado Pier, um jovem, que trabalha na construção civil, e é ladrão nos tempos livres. Sabemos mais tarde que é filho do rapaz que ficara sem mão na primeira cena. Isto porque o seu pai morre, e Pier não sabia nada dele há 19 anos, porque o seu pai cortara ligações com a sua família e fugira. Pier, pelo o que sabia do pai, este tivera sido deserdado e ignorado pela família, pois tinha enorme talento para polir diamantes e tornara-se inútil. Pier, sendo ladrão e tendo contactos, arranja um plano para vingar o pai e, consequentemente, a si próprio, porque,  devido a esse passado, Pier tem a vida miserável que tem.

O filme começa a ficar interessante, muito interessante aliás.

E Pier infiltra-se na família e no negócio dos diamantes, e conhece-a. O seu primo, o seu tio e tia, e a noiva do primo, é esta a família. Tentarei a seguir não spoilar muito o filme, porque é de facto excelente mas pretendo transmitir a mensagem que o filme me deu.

Portanto temos um rapaz pronto a vingar o seu pai, que nem conheceu, baseando-se em histórias e rumores ouvidos de um lado, do lado do pai. Mas depois, Pier acaba por familiarizar-se com ela. Pier descobre que tem o talento do pai e pretende polir diamantes, sendo mais fácil roubar os diamantes valiosos do negócio do tio. Então e agora? Já nutre algum amor pela família, mas quer vingar o pai. O filme é uma eterna incógnita de acontecimentos (é essa a maravilha do cinema francês). O tio adora Pier e considera-o como um filho, apesar de saber que ele é uma pessoa imperfeita, até cruel, mas é filho do seu irmão, é sangue do seu sangue.

Estamos perante um homem cruel, cheio de incertezas, mas mau puramente que não consegue fugir à sua natureza, apesar de ser amado, de receber oportunidades e ser bem recebido. Ele não consegue escapar ao seu ser. Ele é uma pessoa má, e ponto. Durante o filme senti alguma compaixão por ela e talvez algum carinho pela personagem, mas ele é mau.
Outra mensagem a reter é a veracidade dos factos. Muitas vezes uma história generaliza as coisas e torna a sua verdade única. As histórias únicas são uma perspetiva, não são uma realidade absoluta.

Talvez achem esta review confusa, só mesmo vendo.
Não tenho a certeza se o filme vai estrear no cinema, provavelmente sim, estejam atentos, o filme é excelente, um pouco pesado e possível a confundir o pensamento (mind fuck alert)
Um texto escrito há uns dias mas, como nos últimos tempos ligo o computador só para estudar, não tive oportunidade de o publicar:


Uma da manhã, quarta-feira, e tenho este desejo de me soltar destas quatro paredes sufocantes para o ruído dos meus pensamentos, e aconchegar-me no breu do céu, abraçar o frio da escuridão, observar a negridão do dia. Sempre gostei de me deitar e observar o céu, por vezes só preto, outras estrelado,a horas indecentes, onde só se houve silêncio, onde sou dona do tempo e do espaço. Não sei, foi sempre um aconchego para a minha pessoa. Sempre que tenho essa possibilidade, tento fazê-lo. Acampamentos são a melhor altura para o fazer. Preciso desse isolamento, de ficar a sós com a existência, com a dimensão desta, e confortar-me na inutilidade que sou, que não significo nada, que não sou nada. Isso conforta-me, aquece-me, neste frio gélido escuro.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Como se suporta
este vazio que me acompanha,
que me hesita,
que polui a minha respiração,
que distorce o meu olhar,
se me impede de viver.

-se viver no seu absolutismo,
é ser feliz- como o conseguirei?
Nem sei dar um nome a este estado,
a este sensação...
Será saudade?

Viver é perder.
Perdemos tanta coisa,
substituímos essa perda,
na esperança de viver.
Mas nada substitui.
Tudo é único, completo.

Portanto continuarei assim,
a sentir a tua falta,
a viver a tua perda.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Comentário: Nobel da Literatura 2016

Assim que soube que o Nobel da Literatura tinha sido atribuído a Bob Dylan estranhei, acho que todos nós ficámos surpreendidos e sentimos alguma estranheza. Então mas não é suposto Literatura ser entregue a quem escreve livros? Ora antes de responderem a essa pergunta, reflitam. O que é exatamente a literatura? Romances? Histórias? Associamos sempre literatura a livros e não simplesmente ao ato de escrita.
Ora bem, não sei se me vou fazer entender neste comentário, mas como tenho estudado esta pergunta ao longo de umas semanas, encontrei a minha resposta. A literatura vai além das palavras. A literatura não é leitura. São coisas distintas, que se interligam obviamente, mas os conceitos são diferentes. Quem escreve música, poesia, ensaios, ou algo que não envolva livros, também faz literatura. Porque a literatura não são apenas um conjunto de palavras, não é linguagem. Segundo Roland Barthes, a língua é fascista. E não é mesmo? Eu falo com um propósito, para comunicar, para fazer com que o destinatário da minha mensagem se torne seguidamente o transmissor, e assim sucessivamente. A literatura é mais do que isto. Não tem de fazer sentido, não tem regras, não é uma obrigação, serve apenas para expressar os meus pensamentos, ou nem isso, posso fazer dela o que me apetecer. E é essa a magia da literatura! Ser o que eu quiser. Podemos considerar este comentário literatura? Não, porque estou a comunicar. Os poemas que escrevo são literatura? Talvez, não escrevo com um propósito, são apenas palavras soltas sem sentido, sem coerência, sem regras de gramática e linguística.
Portanto o prémio foi bem atribuído. A música é das mais belas artes existentes na humanidade, e quem a faz, deve ser reconhecido. Às vezes nem é a melodia que se adora, mas a letra. Não só músico, mas escritor e poeta. Não escreveu um livro, mas escreveu os nossos sentimentos. E isso é Literatura.