domingo, 1 de outubro de 2017

quero voltar àquele lugar onde tanto senti, tanto chorei e ri.
parece que lá finalmente acordei.
tudo se tornou claro, evidente e mutável.
sou outro ser, finalmente.
sempre desejei ser outra.
o segredo está naquelas paredes,
naqueles campos.
poderia escrever um poema pastoral,
que não chegaria para descrever a magia e o amor daqueles campos.
preciso de voltar a beijar aquele chão,
e sentir a relva molhada na palma dos pés.
abraçar corpos estranhos, e chorar sem razão nenhuma.
ai!
a saudade que se me abate no peito!
mas volto lá sempre.
através da música, dos cheiros, dos olhos, dos rostos,
que vivi, vi e ouvi.
de todas as milhares de sensações que aquele lugar me deu.
como esquecer?
como esquecer onde encontrei a felicidade? quando nela em nunca acreditei?
descobri,
que nada interessa,
apenas estas sensações e estas lágrimas.

domingo, 24 de setembro de 2017

A poesia abandonou-me. Procuro-a nas árvores, nas folhas caídas, no som do vento e do mar. Encontro-a, mas não a sinto. Não lhe consigo tocar.
Já faz tempo que não choro só de olhar o mar.
Tenho saudade de sentir o simples milagre da vida, da existência, de ver tudo isto, de pensar que tudo isto existe, porque eu existo. Faz isto algum sentido?
Que sou eu?
Ando de lá para cá, tentando apaixonar-me por coisas simples, quando eu sou tão complicada e confusa? Que procuro eu, mesmo?
Outrora encontrei a felicidade, penso eu. Doía-me o peito, mas sorria tanto. Doía-me o peito de tanto amor ter dentro de mim. Para onde foi esse amor? Para onde foi toda a paixão? Ficou nos papéis em que tentei descrever e materializar todos os sentimentos que passaram por este corpo? Porque tento eu materializar tudo, querer por em palavras, o que não é descritível por elas? As palavras são tão limitadas, porém, tocam-me tanto, são-me tudo. Sem palavras, tudo é irreal.
Sem palavras, não existiria.
Nada existiria.
magníficos campos franceses!
a saudade que tenho no peito,
dos tons de verde,
do cheiro dos girassóis,
de pousar a cabeça sobre as plantas,
e chorar nos vossos rios,
até as lágrimas se fundirem no verde sujo,
e eu cegar de amar a luz do sol

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

danço freneticamente neste bonito pôr-do-sol.
rodeiam-me rostos familiares, mas não reconheço as suas vozes.
não me interessa.
só quero dançar, deixa-me dançar.
gostava de desligar, de vez em quando, os meus olhos que buscam todas as formas que consegue captar.
e o meu corpo quer seriamente dançar, pára de observar.
mas...e se olham para mim? e se perco um belo par de olhos?
nada interessa.
nada me interessa sem ser este breve instante frenético de dança.
dou-lhe a mão e o meu corpo liberta-se ao som da música.
dá-me o braço e dançamos juntos, todos.
rir, rir e dançar, para tudo esquecer.
não interessa quem me rodeia.
a vida é só minha.
todos se esquecem.

domingo, 3 de setembro de 2017

(escrito em França)

Tão diferente, mas tão igual.
Sinto-me leve, distante, como se não fizesse parte de lado algum. Caminhando sem apego, sem casa. Olho para estes campos, tentando não compará-los aos da minha terra, mas são incrivelmente parecidos. No entanto, dão-me outra sensação, aliás, várias sensações que a minha terra não me dá. Mas são iguais. Está tudo na minha cabeça. O mundo acaba por ser tão semelhante. Tudo o que muda está no meu peito.
Entristece-me porque vou ficar feliz por voltar à minha terra. Como se toda a minha identidade está lá. Somos terra, basicamente.
(escrito em França)

Dói-me a cabeça, os braços, os olhos quando penso em toda a existência. Uma dimensão enorme que me é totalmente desconhecida. Procuro viver os dias como se estes nunca acabassem, como se a mudança não fosse a ordem natural das coisas.
Depois, penso que um dia as minhas pernas me vão falhar, os meus braços não vão responder de imediato ao meu cérebro e os olhos me vão cansar. Um dia, fartarei-me de viver. Que dor me dá só de pensar nessa triste realidade. Desejar morrer porque me cansei de viver. Como é que isso é possível? Porque o corpo não nos permite mais, mas e se a cabeça tiver toda a vida dentro dela? A imaginação foi sempre a minha solução. Ou talvez, a cabeça também se canse e deseja também deixar de viver. Que pensamento atroz este!
Gosto tanto de viver, mas tenho vontade de chorar, pois nada dela eu sei. Vivemos e pronto. Não façamos perguntas, vivamos as respostas. Pois a resposta que me dão é sempre a mesma. Vive somente, não te preocupes, não penses.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Uma carta a um estranho

(não é da viagem a França)


Querida senhora que me pôs a sorrir quando a minha vontade era de gritar e chorar. Não lhe passará pela cabeça o quão o seu sorriso e olhar carinhoso me alegrou o dia. Pôs-me a pensar, senhora. Acordei feliz, a vida dá um pontapé em todas as minhas alegrias, para me deixar em lágrimas e em stress constante. E corro, e resolvo, e grito, e fecho a mão num punho e os olhos para guardar toda a raiva dentro de mim. Um fogo dentro de mim pronto a explodir. Perdendo a fé na humanidade, que a bondade escasseia nos corpos que encontro e eu queria mesmo abraçá-los e dizer-lhes que não estão sozinhos, que nos amamos todos. Não, não, nada disso. Espera, sofre, não me interessa. Até encontrar a senhora que pedia ajuda, sorriu, levou as mãos ao peito e olhou-me carinhosamente e agradeceu, genuinamente. Até me vieram lágrimas entre o sorriso. Há tanta beleza no mundo aí. Obrigada senhora, não esquecerei o seu rosto, os seus olhos azuis cheios de amor e incerteza e nunca saberá o quão feliz me deixou e me influenciou.
 Bonito isto de nada sabermos que impacto temos nas pessoas. Achamos que somos apenas pó e as pessoas ouvem e esquecem todas as nossas palavras. As pessoas lembram-se. Como me posso esquecer de um sorriso que me fez sorrir também, numa altura que tudo fazia sentido?

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Sala cheia

De novo silêncio.
O silêncio mais belo.
Até mais belo que o silêncio entre amantes. É um silêncio para as pessoas, as centenas que aqui estão sentadas. Aqui somos livres de pensar. E ninguém pergunta.
Ninguém pergunta em que penso, no que escrevo, no que sinto, porque sorrio. Cada um está só, agora. Todos juntos para o silêncio. Todos sós num grito que só nós ouvimos. Quão belo é isto?
Os nossos pais, amigos, amantes, perguntam no que penso, no que quero fazer. Aqui, olhámo-nos, sorrimos e abraçamo-nos. Trocamos ideias, crenças, experiências. É só isto.
E depois, voltarei para o silêncio das minhas quatro paredes, ouvindo apenas os passos do gato e ouvindo os carros pela janela do meu quarto.
Todo o meu silêncio ficará aqui.
Levo comigo a sensação do silêncio, mas ele fica aqui como é, inaudível, sereno.

É um silêncio que me deixa calma. Até me dá para escrever. Será silêncio então?

Adorada França

Em julho, passei uma semana numa comunidade autossuficiente em França, onde conheci os belos campos franceses. Nesse local, tão mágico e belo, muita coisa foi sentida e transcrita para o papel. O que se seguirá são as palavras que resumem, muito vagamente, a intensidade de sensações que vivi.



Estranho como as fronteiras me iludem a vista. Os campos aqui têm tons e cheiros que não existem no meu país. As árvores têm outros sussurros, a sensação de vida é outra. Sentirei saudade de aqui? Que limites nos dão os muros ilusórios? É tudo apenas isso, uma ilusão. Está tudo dentro de mim. Os são campos são igualmente verdes, tão iguais aos verdes do Minho.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

São duas da manhã e o teto branco é mais interessante que as ruas apinhadas de gente no Cais do Sodré.
Penso, penso até me doerem as têmporas e o estômago.

Pernas, mexam-se.
Tenho de sair desta cama, soltar-me dos cadernos e abraçar corpos.

E tudo em que penso, é no dia da amanhã,
e no dia a seguir,
e no dia a seguir a esse,
até te imaginar velho, rodeado de netos, sem te lembrares do meu nome.

Os beijos nos bancos de trás do carro.
As corridas na areia, de noite,
a dança no meio do mato.
Que todas estas coisas apenas existam no meu cérebro.

As pessoas voam dentro de nós, mudam os órgãos de sítio, põem a cabeça no lugar do coração e o coração na mão esquerda. E desaparecem. Como se fosse fácil viver com um coração na mão esquerda.

A paranóia do esquecimento.

O esquecimento. Essa palavra que tanto me atormenta. Que me dói pronunciar.
A minha mente sempre me atormentou.
Faz questão de me lembrar das datas, da comida, das cores dos olhos, da gestualidade das mãos. Tudo é fácil de recordar.
É tão fácil de doer.


(é impressão minha ou este texto ficou tão estranho mas com algum potencial? Hum...)



quinta-feira, 13 de julho de 2017

Olho para os teus olhos da mesma maneira que olho para o mar. Tão estranho encontrar o mar nos olhos de alguém.
O mar sempre foi a minha maior admiração. Tão profundo, tão belo, tão denso. Impenetrável, para sempre um mistério.
Mas encontrei-te, penetrei-te, nadei dentro de ti como nado no mar.
Mas encontrei a tua essência, de onde vem essa tua beleza.
Mergulho em ti.
Mato a minha sede nas tuas lágrimas.
Na tua densidade.
És o mar com que sempre desejei fundir-me.

domingo, 9 de julho de 2017

.

Estranho como os lugares se tornam pessoas. Pessoas adoradas que caminham por cima de nós, sem o sabermos. Pisam-nos, vivendo em silêncio. Que triste a vida se torna quando as pessoas desaparecem, assim, por entre os dedos. E ainda nos dizem que é natural. A vida continua. Continua, pois, o sol não vai parar com a minha tristeza. Mas tudo existe ainda, no meu peito,  na minha cabeça e sobretudo, nos sítios. Naquele sítio, à beira do rio, que se tornou ainda mais belo por ser nosso. Lembro-me dos cabelos a esvoaçar, o teu abraço quente, a proteger-me da brisa. Passaram-se assim horas, entre silêncios, beijos e palavras de amor. E um belo pôr-do-sol, em pleno Dezembro, o mais bonito, porque estava contigo. Mas não me dói mais. A dor acaba por desaparecer. É bom, passar pelos sítios e sorrir, porque as lágrimas já o tempo as levou, e tu também. Guarda as minhas lágrimas, e lembra-te que o amor também é tristeza. As promessas foram com o vento. Os abraços ficam nos nossos peitos. E o meu ser, a minha existência, há muito que a levaste. Agora, sou outra. O amor leva-nos.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

final de tarde. é verão, o sol ainda está alto. deitada, no chão, de olhos semicerrados, apaixono-me pela luz que se invade entre as minhas pestanas. de frente ao sol, a olhá-lo, vejo as cores, as formas inexpressáveis que este cria nos espaços entre as minhas pestanas. é quase como estar de baixo de água. nunca vi estas formas, esta vida, esta beleza, num filme, nem escritas num livro. como é bom estar sóbria! azul, celeste, verde, até vermelho, sobrevoam-me a íris. natural, simples, magnífico. é tão fácil encontrar a beleza. não consigo expressar a bela imagem que é o sol entre as pestanas. mas rapidamente, me canso. tenho sede de mais sensações, mais belezas, quero me arranquem o coração do peito e me puxem para fora de água. fecho os olhos, e navego pela minha imaginação, até o cérebro se desligar e entrego-me à calma do final de tarde, ao pousar do sol, embalando-me num sono, ao som das gaivotas.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Acalmante

Esqueço-me sempre que o comboio para o Rossio vem às e 26 e não às e 22 como o que vai para Entrecampos. Espero, assim, 10 minutos. A estação tem três pessoas. Podera, é meio-dia, as pessoas trabalham a esta hora. E depois há uma percentagem que anda perdida de comboio em comboio, encantando-se com a paisagem fugaz oferecida pelas janelas, mas chega para matar o vazio no peito, por uns segundos. Leio o livro que comprei há duas semanas, um do Al Berto, que me enche a alma de lágrimas e vontade de viver. Vivo assim, a vida dos outros. Sinto sensações de personagens que não me são reais. Não lhes posso tocar, mas habito por baixo das suas peles. O comboio aproxima-se e custa-me desviar os olhos das belas palavras. Não costumo sentar-me nos transportes, tenho pernas jovens que aguentam o peso da minha cabeça. Mas hoje não aguentam o peso do meu coração, e lá me apoderei de um lugar, à janela, claro. Bastei-me da minha leitura. Estranho, nem observei as pessoas a meu redor, pois alimento-me das minhas observações. Vejo rostos, mãos, olhos, gestos, abraços, flores, cores e fecho os olhos e crio a minha história na minha cabeça. Afinal de tudo, a imaginação é a minha melhor forma de viver.

domingo, 25 de junho de 2017

Passa o teu indicador
pela minha coluna vertebral.
Sente a fragilidade dos meus ossos,
beija-me entre lágrimas,
abraças as imperfeições deste corpo.
O sol põem-se,
     e os lençóis são nossos.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Passeio por este caminho que me é tão familiar.
Tão familiar,
que já me desvio, sem olhar, da pedra solta da calçada, mesmo ao lado da primeira árvore, mesmo no cruzamento.
E mesmo na noite, decidi observar carinhosamente as árvores que se encontram no caminho e belas flores amarelas nasceram durante a minha ausência por estas ruas.
Parei.
Olhei.
Toquei.
Flores, minhas queridas. De um amarelo tão vivo e belo. Com alguns tons alaranjados.
Fiquei de peito cheio e com um sorriso que faz doer as bochechas.
Estas pequenas coisas que me preenchem a caixa torácica.
Depois lá tive de continuar o meu caminho.
Infelizmente, não há tempo para olhar e chorar pelas flores que só as vejo de vez em quando. Morrem no inverno e vejo-vos para o ano, minhas queridas.
Tudo morre, tudo nasce.
Mas as flores que observei não vão ser as mesmas que observarei para o ano.
O que morre, não volta.
Sentirei a vossa pedra.

terça-feira, 13 de junho de 2017

desde pequenina que dou cabo das unhas.
não consigo ter aquelas unhas compridas e brilhantes, e adorava. 
invejo as raparigas com as unhas tão bonitas.
mas não consigo.
curiosamente, durante um ano, tive as unhas bonitas e não as estragava.
e concluí, que foi um ano morto.
só dou cabo delas quando estou ansiosa, nervosa, ocupada, triste. e se não sinto isso, sinto o quê?
nervos e ânsia são o meu dia-a-dia.
quando oiço vozes novas,
quando a minha voz sobressai,
quando piso um novo chão.
o meu corpo arrepia-se e as minhas mãos não param quietas.
se eu tivesse outras mãos a que me agarrar,
olhos para olhar durante todo o tempo do mundo,
não me ocuparia das unhas.
Talvez. provavelmente não,
de tanta fervura no peito sentir.

sábado, 27 de maio de 2017

atiro pedras com os meus atos.
Perdoa-me. por favor, Perdoa-me.
a minha cabeça não pára, o meu coração apenas serve para me circular o sangue. Desculpa, eu nunca quis magoar o teu.
eu não sei.
não sei nada sobre a vida, sobre as pessoas.
e o meu silêncio,
transforma-se em pedras, em rochas, em paredes.
Perdoa-me.
tenho tantos rascunhos. riscos e mais riscos. palavras imperceptíveis que me vieram à cabeça, e logo esta se arrepende. a tinta ainda está a secar. e o papel já está no lixo.
que faço da minha vida?
quem sou eu?
de volta a estas quatro paredes, de coração morto.
estou à espera que alguém me salve, porquê?
porque é que preciso tanto que alguém me leia a alma, através da dor do brilho dos meus olhos?

já não chorava há algum tempo, digo.
tanta gente.
música demasiado alta nos meus ouvidos.
pessoas a tocarem-me, a dirigirem palavras a mim.
o que digo, o que faço?
danço?
o meu corpo não se mexe. os meus pés estão colados ao chão.
Salva-me.
Tira-me daqui.
uma dor no peito sufoca-me. não consigo, porque me fazes isto? eu não consigo.
odeio.
odeio.
isto.
isto sou eu.

os lençóis estão tão limpos e lisos.
parece que nunca dormi ali.
de resto, o caos. livros ali, acolá,
textos que eu nem sei quem os escreveu. eu, claro.
fui mesmo eu?
ou um reflexo do que julgo ser eu?
nem sei o que estou para aqui a dizer.
só sei que me quero deitar no tapete,
e dormir.
com um livro no peito.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

o caderno que comprei há um mês continua com as páginas vazias.
não sei o que se passa comigo.
quando me encontro sozinha,
procuro-me preencher-me de companhia, fugindo da minha.
um jazz de fundo,
abraços ao meu gato,
vou para a biblioteca passar a mão pelos livros,
ou ir para a rua e andar de olhos fechados.
a caneta tem durado bastante, e os dedos não se cansam.
o piano está a apanhar pó.
as minhas pernas não se cansam.
para onde vai a minha juventude?
calço os sapatos,
em busca de a salvar.
um vestido curto,
batom vivo nos lábios,
um livro na mão e dinheiro para a sangria.
deito-me sobre a relva e observo o sol por entre os ramos das árvores.
oiço as vozes,
as conversas supérfluas.
futebol,
política,
a saída à noite da semana passada,
estava tão bêbado.
finjo que oiço, que me interesso, tento agradar.
não quero saber.
eu só quero observar o céu e chorar a olhar o mar.
mergulhar naquele cais alentejano e nadar pelas águas sujas,
deitar-me entre as flores,
e emocionar-me até me doer a alma.
a minha juventude não é como a vossa.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

São vinte e trinta e seis, ainda consigo apanhar o comboio das e quarenta e sete. Está tudo bem.
Chego à estação. A dor de estômago vazio não me vai permitir concentrar nos livros que tenho na mala. Logo agora que requisitei uns poemas do Al Berto, e apetecia-me tanto sentir qualquer coisa no peito.
O comboio chega e oiço o senhor a dizer para ter cuidado com o espaço entre o cais e o comboio. Observo o tal espaço. É enorme. Eu poderia dar uns pequenos passos em frente e todo o meu corpo cairia por ali a abaixo. Lembrei-me logo do meu querido romance do Tolstoi. E, fiquei triste. Um sentimento nostálgico misturado com tristeza. Uma longa história para colocar nesta.

Tão pouca gente!

Não gosto de me sentar.
Encosto-me ao vidro.
Respondo rapidamente a umas mensagens no telemóvel, e os meus olhos desviam-se para o céu. Que cores! Ignoro logo o que tenho nas mãos e olho, olho com paixão o que se encontra lá fora. A paisagem que vejo todos os dias, repetidamente. Mas nunca me canso. Então com o céu a mudar de cores.
E como mudava!
Primeiro vi lilás. Muito clarinho, e os prédios brancos pintados também dessa cor. O poder do céu!
Depois, transformações de amarelo e azul, enquanto passava um avião que não conseguia rasgar as duas cores. E as nuvens de azul.
A chegar ao meu destino, era uma mistura de tudo.

Depois de um dia cansativo, nada melhor que um abraço deste céu por uns breves minutos e apaixonar-me por estas coisas tão simples.

E frio, tanto frio.

O vento a tapar-me os olhos.

Um gato de olhos verdes a observar-me.

Um casal que me sorri.

Uma música jazz nos ouvidos.

Um passo de dança pelo caminho.

E o dia acaba quando coloco as chaves na porta.
Porque em casa, nada acontece.

A vida está lá fora.
É lá fora que os pássaros cantam e as flores nascem.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Atravesso a rua. A mesma de todos os dias. Já conheço as flores de cor. As flores que tentam escapar por entre as pedras da calçada. Gosto de olhar para cada uma entre as minhas pressas para apanhar o comboio. São milésimos de segundo de distracção no stress do meu quotidiano.
E lá vou eu, a apanhar o comboio das nove e trinta e dois.
Vou lendo as páginas do meu livro ao longo dos dez minutos de viagem. Sabe-me sempre a pouco. Por vezes penso que regressar ao meu velho hábito de percorrer a linha de metro inteira não seja má ideia, só para ter mais tempo de viagem pelos meus livros.
A professora vai falando. Tento perceber mas as distrações são tantas. A música que ouvi à pouco através dos fones, ainda está a ecoar na minha cabeça. Estão sempre pessoas a passar do outro lado da janela, e o meu pescoço tem sempre a tendência de conduzir a minha cabeça para a esquerda e observar cada rosto que passa. Penso em ti, às vezes. Tento não o fazer, que me dá sempre um dor leve no coração. Mais palavras e reacções à minha volta, a quais a minha mente tenta fugir.
Almoço.
Biblioteca. Que bem o meu coração está agora. Sentar-me entre a literatura irlandesa e americana, e estudar rapidamente e depois descer para a literatura portuguesa. Gosto muito dos poemas da Sofia. E do Al Berto. De vez em quando, aproveito intervalos de minutinhos para vir ler um verso. Uma sobremesa para a minha cabeça.
Já passa da hora da aula. Honestamente, faço de propósito. Quero que sintas a minha falta durante um pouco. Eu sei que não sentes, mas o meu coração acha que sim. Tem pena dele, não aprende. Olá, como estás, perguntas-me com um brilho no olhar. Estou bem, e tu. Estou bem, estou bem. E começas a falar e só olho para as tuas mãos, para os teus olhos, para os teus lábios. Estás triste? Não perguntes essas coisas. Não, estou bem. Não parece. Claro que estou triste, só te quero fazer cafunés e dar-te a mão no São Jorge, e dançar Blues pelas ruas de Lisboa. E oiço-te, oiço com atenção, pelo menos tento. Mais pessoas aparecem e fico na sombra, na tua sombra ou na sombra dos outros e desapareço. Sinto-me a desaparecer. Nem olhas para trás. Eu só queria que olhasses para trás e sorrisses. Só queria que dissesses adeus.
E assim, desapareceste.
Voltei para o comboio.
Voltei para a rua.
Desta vez, não olhei para as flores. Olhava para as nuvens e desejava que chovesse. Eu só queria que chovesse.
Chego a casa.
Abraço o meu gato. E, levemente, choro no seu pelo.
E amanhã tudo se repete.
Mas amanhã vou olhar para as flores. Vou sorrir-te. E não vou olhar para os teus lábios.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Não consigo lidar com o fogo no meu peito.
E pára de me olhar assim. Não finjas.
Eu se pudesse,
fazia ecoar o teu nome,
pelas ruas de Lisboa.
Se o meu corpo me permitisse,
eu agarraria a tua mão e beijar-te-ia o rosto,
com toda a leveza do meu ser.
Aconchegar-me-ia nos teus braços,
como se num sonho estivesse.

E acordo, e tens os olhos sobre mim.
E sobre o teu livro.
E sobre as pessoas à nossa volta.
E toda a minha insignificância me domina,
e só desejo derreter, ficar água e desaparecer entre as pedras da calçada.

domingo, 30 de abril de 2017

Às vezes, só me apetece tirar as roupas do meu corpo, entrar nos meus lençóis, colocar-me em posição fetal e adormecer.
Parece que mais nada existe sem ser a escuridão e a minha existência.
Depois acordo, e há luz, tanto luz, tanta vida.
E fico cansada. Aliás, exausta.
Hoje só quero ficar aqui. Eu e o nada.
Absolutamente nada.
A minha cabeça está às voltas, o meu coração aperta-se, a solidão está a bater à porta.
Porém, serena eu estou.
E olho para a desarrumação do meu quarto, para o meu caos de estar.
Que interessa.
Nada interessa.
Tudo é tão insignificante.
Eu poderia desaparecer eternamente nesta escuridão.
Que diferença faria.
Eu só quero dançar entre as árvores e apaixonar-me loucamente por um sorriso.
Mas os lençóis aconchegam-me e puxam-me. Agarram-me, impedem-me. Sussurram que estou bem, que aqui estou bem. Não há turbulência.
Lá fora há tanta turbulência. Tanta dor. Tanta sensação.
Fica aqui.
Adormece, e vive nos teus sonhos.
Estás linda.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Danny Boy,
I love you so.
Agarra-me a saia
e faz ecoar os nossos sorrisos
pelas ruas desertas do Porto.

Oh Danny boy, Oh
Danny boy.
Agarra-me pela cintura,
e dancemos as valsas
pela noite dentro
no meio da estrada.
Só tu e eu, e o som das nossas vozes.

I love you so.
Eu corro atrás de ti
até me doer os pés e o peito explodir,
não sei se de cansaço,
se de paixão.

domingo, 23 de abril de 2017

Por entre as conversas fúteis e por esta confusão de palavras e sons à minha volta, encontro-me a mergulhar numa água cristalina. Só vejo tons de azul e verdes, variados. Aqueles que vemos quando mergulhamos com óculos de piscina no mar. Mas num mar limpo, limpíssimo. Vejo as bolhas do meu ar, a luz do sol a tentar perfurar o oceano. Quão belo e misterioso isto é. O sol a tentar entrar no mar, mas apenas ficar à tona, pois tudo é escuro, breu. Que mundo será este sobre os meus pés. Um mundo do qual tenho um medo tremendo. Um medo que me faz doer o peito só de imaginar na sua dimensão. Como de quando penso no que vai para além do céu. Como tudo me inalcançável e me escapa por entre os dedos. Volto-me para cima, para a luz, para o confortável. Vejo o céu. Tenho de fechar os olhos devido ao sol. Desliga-se-me a visão. Oiço as ondas, oiço a água nos meus ouvidos. Oiço a água a empurrar as rochas na costa e o vento no meu rosto. Som bem mais belo que aquele que oiço do eco das conchas. Tristemente, volto à realidade. Olho os rostos, que continuam dispersos nas suas conversas que me são indiferentes. Olho em redor. Procuro poesia pelo cenário. Foco-me numa cadeira que estava ligeiramente mais para trás que as outras, numa mesa. E imagino-te lá sentado, com o teu livro do Helberto Helder e a tua cabeça tão perto das páginas, que as palavras se dissipam pelos teus olhos, para cheirar, retirar o odor de toda a poesia. E imagino as tuas mãos a manusear o livro como se de um instrumento se tratasse. E eu, no chão, deitada, a fitar-te, a decorar cada gesto teu, para depois te desenhar pelos meus cadernos.
Mas para isto, tenho de ser realista e parar de imaginar coisas.
Raios.

domingo, 16 de abril de 2017

Sentar-me sobre a colina e observar a barragem e as ilhas sobre ela. Pouca intervenção humana observo nesta paisagem. O sol lá ao fundo, a esconder-se nas nuvens e, em breve, nas montanhas e nas águas. As nuvens não vão permitir ao céu assumir os tons alaranjados e rosas que tanto me enchem o peito e me esvaziam os pulmões. No entanto, as nuvens deixam-me ver o círculo perfeito do sol. Que mais preciso? Em nada penso. Minto. Penso nas palavras que podem incorporar a esta visão, este sentimento. Eu transbordo por todo o lado. Mas transbordo o quê? Nada. para que preciso de transbordar algo? Tão simples, tão belo, tão fácil. E passo as mãos pelas flores que estão à minha volta. Olhos os rostos que estão à minha volta, com a mesma expressão que eu. Excepto um. O de uma criança. Ele corre, ele suja-se na terra, ele aborrece-se com o sol. Recordo-me bem que parar era uma seca. Observava os meus pais, os meus tios, os meus avós, sentados à mesa horas infinitas, a conversar ou parados a olhar para o horizonte de uma paisagem e eu, criança, a querer correr e cair pelas ervas. Queria abraçar árvores, queria apanhar borboletas e deitar-me na relva e rebolar-me nela. E agora estava eu, parada, a olhar o sol, as águas, as cores do céu, feliz, a ver-me também refletida no olhar daquela criança que queria correr pelos prados e abraçar ovelhas, mas, sem essa vontade. Apenas com um sorriso nostálgico, com lágrimas dentro de mim, imaginando-me, criança, a correr entre as árvores com os meus primos, de mãos dadas, com risos ecoados pelas ruínas do castelo mouro da vila, escondendo-nos dos adultos.
Agora estou eu adulta. A criança que fui morreu num cérebro ocupado, sem tempo de dançar no meio da rua.
À beira da barragem, com os pés sobre misturas de areia, terra e flores e a mãozinha dela agarrada à minha, enquanto observávamos o belo Alqueva e as ilhotas que este tem dentro de si e o castelo lá ao fundo do tamanho da palma da mão dela.

   Teresinha, este momento nunca se vai repetir. Nunca mais, minha querida.

 Mas Inês, para o ano estamos cá outra vez. E tiramos uma foto também.


    A foto não tem cheiro, não tem tacto. Cheiras as águas? Sentes a areia sobre os teus pés? A fotografia capta só uma imagem. Confia sempre é nos teus olhos. Sê sempre criança, Teresinha, não penses nas fotografias. Vive este momento. Agarra bem a minha mão, olha bem para a paisagem. Amanhã pode estar tudo diferente.


Pois é.


   Oh Teresinha. Tomara eu ter 8 anos, ver tudo tão belo como tu vês.

Para o ano estamos cá outra vez.

   Pois estamos. Estaremos sempre aqui, na nossa cabeça estamos sempre aqui, sobre este belo quadro. E 20 anos vão passar, e a tua mãozinha vai ser do tamanho da minha, mas podemos sempre voltar aqui.


domingo, 9 de abril de 2017

Hoje, observei o rosto da minha mãe, poro a poro. Mergulhei nas suas rugas escassas, na profundeza do olhar, do carinho cravado no seu rosto enquanto me observava também. Imaginei-a, com 15 anos, a correr pelos campos lá em Trás-dos-Montes, com os seus amigos. Livre de rugas e de dores nas costas, que ela tanto se queixa depois de estender a roupa três vezes e de fazer o almoço. Imagino o seu riso a ecoar, abanando os ramos das árvores. Imagino-a a cair e a mirar as flores que a envolvem, com o cabelo comprido na cara. Imagino o sentimento que a transborda do coração, o sentimento de ser imortal, eterna, sempre jovem. Olha para o céu, com os olhos semicerrados devido ao sol, até os fechar e viajar pelos pensamentos sobre o filho do padeiro, ou sobre o que vai ser o jantar preparado pela tia. Sobre os pés descalços, umas margaridas.

E agora, tantos anos passados, observo o seu rosto de mulher feita, que tanto viveu e sofreu, que perdeu a mocidade. Sou eu que carrego aquele sentimento, aquela esperança e imortalidade.
E assim, continuarei a passar, de geração em geração, os sorrisos entres as flores e os abraços aos amantes que desapareceram no tempo, com o vento da juventude.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Hábitos estranhos, mas poéticos, talvez

- no caminho para casa, há uma grade colada à calçada que me acompanha na caminhada. Por vezes, gosto de dedilhar os dedos na grade enquanto ando aqueles metros intermináveis, e sentir a dormência nas mãos, até não suportar.

-quando vou para o metro, ou para o comboio ou quando me distraio das palavras de um professor e olho para a janela, gosto de olhar intensamente para o céu, na esperança de encontrar uma irregularidade no azul.

-por vezes, tiro os olhos do meu livro para observar, mais uma vez, os prédios, os rostos, as árvores para lá da janela à procura de novidade.

-às vezes, sentada no comboio, imagino-me a pôr uma pequena navalha nas bochechas a pensar num sentimento novo, rodeada de aristocratas russos.

domingo, 2 de abril de 2017

História sem Início e sem Fim

A minha mãe diz que vou encontrar o amor dentro de uma livraria, feiras de livros ou num museu. Dei-lhe razão.
Porém, sozinha me encontro.

Enquanto passeava pelos corredores, com as paredes cheias de quadros, enquanto saltava a vista de quadro em quadro, deparei-me com os teus olhos, de um azul misterioso. Fujo e refugio-me nos quadros.

Agora só vejo os teus olhos nos rostos desenhados.

E procuro o teu reflexo nas jarras de prata.

E vejo-te pelos corredores, procuro-te pelos interstícios das colunas e das esculturas.

E, lentamente, vou esquecendo a cor exata do teu azul, a expressão serena do teu rosto, a curva do teu sorriso, o som da tua voz.

Eternamente um estranho, porém, um sentimento quente no coração por um breve segundo. Uma história que nunca começará. E alegra-me.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Tinha para aí uns 16 anos. Era uma adolescente parva, a passar por uma fase de rebeldia, de querer ser diferente, revoltada com tudo. Enfim, fases da vida, que agora me fazem revirar os olhos e esconder a cara sobre as mãos.
E, por trás das roupas escuras, da música barulhenta dos fones e do "ódio" que tentava aparentar, fiquei maravilhada por um senhor, no metro, que dançava as mãos. Parecia que tocava num piano imaginário, ou tateava pelas águas ou massajava o corpo de um gato. Poderia arranjar milhares de metáforas com os gestos que ele fazia com as suas mãos, mas muito resumidamente, era uma bela dança. Sorri, fiquei encantada com a cena. O senhor estava de olhos fechados. Tristemente, não me recordo bem do seu rosto, e se o visse, não o reconheceria, mas lembro-me das suas mãos. Finas, muitos finas, elegantíssimas, dedos longos, de pianista,
Sempre gostei de mãos, É aquela parte da fisionomia da pessoa que me chama logo atenção. As mãos primeiramente que os olhos, talvez. Os olhos são um contacto muito directo, pelas mãos procuro apenas frases soltas.
Observei o senhor a sair da carruagem, sempre com as mãos a dançar.
E, sem o saber, tornou o meu dia bem mais colorido e caloroso.
Um carinhoso obrigado.

segunda-feira, 20 de março de 2017

deitada sobre os teus lençóis,
com o mesmo cheiro da tua nuca,
sinto
as tuas mãos,
navegando
pelas minhas coxas,

 enquanto me poesias pela noite dentro.

e de manhã o verde dos teus olhos
é mais brilhante que a luz que sai da janela.

e mergulho na curva das tuas costas,
tentando encontrar calma no sono,
   e escapar à nossa fervura.


domingo, 19 de março de 2017

                 Quando vê o metro, avança até à ponta do cais, não respeitando o aviso da senhora para não avançar depois da linha amarela. E o cabelo esvoaça e os rostos aproximam-se. Apanho sempre um susto. Talvez ela goste de sentir a velocidade, como uma metáfora para a vida, para a modernidade.


Costuma ter um livro nas mãos. E gosta de sentir as páginas debaixo das unhas.Às vezes está só a olhar para os rostos ou então para a escuridão para lá das janelas e o livro está ali apenas para tatear.


Às vezes fixa muito a porta do metro.
E cria imagens das manchas que lá habitam.
   
    A lua hoje está sorridente, disse ela. Costuma estar melancólica mas hoje está a sorrir. Porque será? Ou sou só eu?
                                          Só eu é que vejo as expressões da lua?
Porque tenho esta necessidade de lhe dar características humanas? Porque penso tanto?

                     Olha só.
Tatea.


Não vejas.
                                                               Não observes.

Mas as nuvens são aborrecidas quando são só nuvens.

E a lua não fala comigo se não vejo lá uma expressão.

E as estrelas não brilham se não pensar quão irreais elas são.

E a relva não é verde, se for só o verde a sua característica.


   Deixa-me arrancar todas as tuas ervas daninhas e rasgar a pele das tuas folhas, e passar os dedos pelo teu cabelo de ouro e beijar as tuas pálpebras até esquecer a cor dos teus olhos.
                                     São verdes.
Ou castanhos?
        Não têm cor, são apenas.

sexta-feira, 17 de março de 2017

16 de Março

Um professor da Universidade de Bonn veio à minha aula de alemão dar uma aula prática muito interessante. 
Pediu-nos para fazermos grupos de três pessoas. Colocou-nos a imagem de um quadro sobre a mesa. Primeiro, pediu-nos para descrever o quadro, o que está retratado, etc. Seguidamente, disse para escrevermos o que sentimos, o que cheiramos, o que saboreamos ao olhar para o quadro, que sensações ele nos dá. Estava para lá de apaixonada com esta aula.
Finalmente, pediu para escrevermos frases com essas palavras e depois escolher as nossas frases preferidas (do grupo) e fazermos um poema.
Tivemos algumas instruções de como o fazer, e decidi colocar aqui o meu. Vou pôr o original, em alemão, e a tradução para português.

Das Ende

Der Himmel schreit Zitronengelb.
Die unhörbar Schreie.

Wir sind genung für Eineänder.

Der Himmel shcreit Zitronengelb.
Die Morgendämmerung kommt mit der Trennung.
Das Echo unserer Ruhe.

Der Himmel schreit Zitronengelb.
Die unhörbar Schreie.

O Fim

O céu grita amarelo-limão.
O grito inaudível.

Nós bastamo-nos.

O céu grita amarelo-limão.
O amanhecer vem com a separação.
O eco do nosso silêncio.

O céu grita amarelo-limão.
O grito inaudível.


Caspar David Friedrich - Auf dem Segler (1818)

quarta-feira, 15 de março de 2017

esta dor no peito,
de sentir,
     que nada sentes

e todas as minhas palavras,
        todos os meus olhares,
a minha dor expressa no rosto,
    vão com o vento que se segue à tua voz.

e dissipa a minha.


sexta-feira, 10 de março de 2017

Há uns dias atrás, enquanto jantava com a minha família, mais um jantar num dia de semana, sagrado, no qual nos reunimos depois dos dias cheios, com cansaço às costas e raiva na garganta. Estávamos na sobremesa, final do telejornal e anunciaram a descoberta de um novo sistema solar, a 40 anos-luz de nós. Parei e fitei a televisão e observei aquelas imagens de planetas de um universo, repleto de corpos estranhos, impossíveis aos meus olhos de alguma vez os alcançar. Sinto um peso no peito, um vazio na cabeça. Dói quando a insignificância nos confronta, quando a realidade é relativa e tudo o que sou é uma ilusão, tudo é imaginário, ou um fragmento do que julgo ser. Oiço o meu pai a informar-se de mais factos sobre o supra-lunar e cada vez me dói mais o corpo e só quero chorar e gritar.
                                      Pai, não somos nada, absolutamente nada.
E depois recordo-me do mundo que somos.
Estes organismos minúsculos inseridos numa área desconhecida, cheia, que transborda existências, que pensam, que sentem, que têm consciência da sua fraqueza perante esta triste realidade. E amamo-nos e abraçamo-nos, e beijamos e procuramos outro corpo, outro mundo, igual ao nosso, para mergulhar, para esquecer a nossa insignificância, e sermos assim, insignificantes, mas de mãos dadas. É esta a nossa natureza, nesta prisão, e observamos com um olho fechado e metade do cérebro desligado, sobre o que vai além da lua, das estrelas, para não lembrar que a imagem que vemos está morta. Se calhar estou morta. Se calhar o que sinto é o que me mantém viva. Talvez pensamentos são o sangue da minha consciência que me mantém existente.

(ao transcrever o texto, apercebi-me da sua mediocridade, mas foi escrito durante uma crise existencial, em que me doía realmente o peito)

quarta-feira, 8 de março de 2017

Sei,
que só me vês
quando me olhas.
Eu vejo-te em todo o lado.
Nos meus lençóis,
no chão do meu quarto,
na minha rua com livros na mão.

Sei,
que nada te sou,
quando não recordas as minhas palavras
ditas ontem.
Quando eu só oiço a tua voz,
enquanto leio poesia.

Sei,
que sou apenas uma voz nos teus dias,
um ser acompanhante das horas vazias,
quando eu te desejo a toda a hora,
e ouvir as tuas palavras,
quando só quero gritar
da dor
de te ser nada.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Vantagens de dias chuvosos:

  1. Gosto de inclinar o chapéu-de-chuva para a frente. Tapa-me o rosto, a vista, e tenho a liberdade de cantar para mim a música que sai dos fones. Posso até fazer uns movimentos leves de dança enquanto passeio pela rua. As pessoas estão concentradas no chão, a certificarem-se que não sujam as botas.
                           E penso.
  Porque é que não posso cantar num dia de sol?
                                Porque é que se dançar na rua, oiço risinhos e sinto olhares pesados em mim?
Porque é que não posso demonstrar esta insignificante coisa que é só...dançar? cantar?

 Porque é que tem de haver sítios específicos para ser eu?

E penso.
É a sociedade.
Mas a sociedade sou eu, és tu, é a mulher que passeia o cão todos os dias às 7 da manhã e passa por mim, sempre com uma camisola diferente, mas com as mesmas calças, só para parecer bem.
Porquê esta incessante preocupação?

Às vezes, passam por mim pessoas na rua a cantarolar. Vozes que seriam os apanhados dos Ídolos, mas o que interessa isso? Sorrio interiormente, ou se calhar sorrio mesmo estupidamente, nem sei. Estas coisas deixam um calorzinho no peito.
Cante, senhor, cante e dance.
Está a chover? Não faz mal, depois é só por as roupas no aquecedor e tomar um banho quente, nem há tempo para os vírus atacarem.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Words

21-02

Same class, same teacher, differente exercise.
The teacher says a word and we must write a 5 minute text without thinking, basically.
I liked a text I wrote about the word "word".
So here he goes a 5 minute text with my mind blowing (in english!)


I have nothing to say. Everything I'm feeling right now, can't be described by any art men had invited until today. All this emptyness and noise I have inside of me, you couldn't understand and I couldn't explain it to you. A lot of things in the world are best left unsaid, but there is way more things in the world that can't be said because our language is too limited for it, or maybe our soul. There are a lot of status we don't know yet. We have sadness and happiness. That's easy to explain, we think. But what about the million other feelings and sensations that cross to our body? I can't explain it. I couldn't paint these feeling, I couldn't dance my body out or screaming in seven languages, but you couldn't yet understand. And I can't understand you. You are an eternal stranger to me. I can't know you because what I say could never transmit how I feel or what I think about you. We, humans, we, eternal strangers to ourselves and others. I only talk so I can fill my loneliness. Isn't that all about? Fill our lonely condition. That we born and die alone. That we are individuals. And we spent our life hugging, touching, talking with others to forget our condition as human beings. But is that enough?

Forwar(d)

21-02

Today, my English Teacher gave us a curious and amazing exercise. We've been reading and analysing a short story by Ali Smith, about words and eytmology. So, today, she asked us to chose a word from the text and write one or two paragraphs about that word. In those paragraphs we should invent the eymology of that word, writing whatever we like, but not changing the meaning of the word. So, here's mine.
I chose the word "forward":

The word forward was born in the XVI Century, by a woman who spent all her life in her room, consumed by her sadness. Her husband was always out of home or closed in his bureau, writting letters or looking at the window, waiting for something. He was a pessimist and taciturn man. She sometimes leant against the bedroom door and listining to her husband reading war books or talking to his friends about the french and other people she never heard or knew about. And the tone of his voice was a tone she never met before. Enthusiastic. Marvellous. And then, she start saying all the time, he is looking for war, he is looking for war...


(the Teacher really liked it, I'm kinda proud, I guess)

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Grita-me.
Perfura-me.
Agarra-me pelas têmporas, encosta a tua testa à minha e grita-me até a voz te cansar e eu abandonar o meu corpo.
E olho-te as lágrimas, a dor cravada no teu rosto.
Que fiz eu, diz ele. Que fiz eu, Maria, para me fazeres isto.
Não te amo mais. Não sinto nada.
Tornaste-te num nada.
Eu sinto-te imensamente, mas não há nada no meu peito.
Tapa-se-lhe a cara.
E grita, e soluça.
Encosto-me à parede, à procura de lágrimas, de uma dor no corpo, não sei.
Qualquer coisa. Estarei a dormir?
Observo-o no seu sofrimento.
Ele olha-me. Como me tornei tão indiferente? Não consigo respirar, Maria.
Perdoa-me,
Imaginei quando te amava, quando te dava a mão na minha rua, quando tinha o teu corpo sobre o meu. E pensei que isso nunca mais iria acontecer, que ele era uma porta que se fechava na minha vida.
Nada.
Não há aqui nada.
Bate-me.
Faz-me sentir qualquer coisa.
Não. Poderia matar-te aqui e agora, mas não seria igual à dor que me estás a causar.
Sai.
Sai.
Não somos nada.
Somos nada.
Nada.
Abandona-me.
Gostaria de conhecer melhor os teus olhos e saber de onde vem o seu brilho.
Gostaria de ouvir a tua voz pela noite dentro até o cansaço se apoderar de mim e tudo for o silêncio das nossas cordas vocais e música de respirações e batimentos.
Poderia fazer-te rir até te doer a barriga e abraçar-te durante esse breve momento de felicidade, antes das nossas almas se tornarem em pó.
Quero agarrar cada instante que te vejo, que te oiço, que te leio. Quero que ouças os soluços do meu desespero. Quero que me ampares das quedas da minha fraqueza. E me digas, num sussurro, quem somos, quem sou, quem és.
Apenas almas perdidas que gostam de se olhar nos olhos e falar da insignificância que somos e que seremos.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Memórias

A minha professora de Português do oitavo ano deu-nos um trabalho, logo no início do ano, em que cada aluno deveria trazer um pequeno texto para ser lido para a turma, todas as semanas. Esse texto poderia ser um conto, um poema, um excerto, enfim, apenas para não ficarmos restritos ao manual escolar e conhecer o que se faz para lá do que nos é ensinado. Achei interessante e fiquei entusiasmada. Não me recordo se foi por ordem alfabética ou se a professora escolhia, mas sei que não fui das primeiras. Os meus colegas levavam na maioria contos e fábulas. Eu queria fazer uma coisa diferente. Não queria só uma história e a sua moral, queria que os meus colegas ficassem abalados, que sentissem o texto. Andei a procurar pequenos textos ou poemas que falassem sobre algo que poderia tocar nos corações de todos os meus colegas, e que ficassem com um sorriso ou uma lágrima nos rostos. E encontrei o poema perfeito, de Fernando Pessoa, sobre a amizade. Não era bem um poema, estava estruturado em poema. Quando o li, doeu-me o peito, um peito que nem sabia o que era o amor, que nunca tinha sofrido, apenas vítima de paixões de crianças, que naquela altura parecia o fim do mundo.
Recordo-me perfeitamente dos nervos que senti ao estar à frente de todos os meus colegas. Sempre fui a rapariga tímida e calada, mas sei que os meus colegas gostavam de mim e simpatizavam comigo. No entanto, ao estarem todos a olhar para mim atentos, provocava-me tremores na voz, tendo eu também uma enorme insegurança na minha voz e postura. Contudo, quando acabei de ler e olhei para os rostos dos meus colegas, vi a tristeza. Aqueles meus colegas que passavam a vida a gozar com as mães uns dos outros, estavam agora com um brilho nos olhos, a trocarem palavras queridas entre si. Pois o poema dizia, muito resumidamente, que a amizade acaba. Cada um segue o seu caminho, e aqueles momentos partilhados tornam-se memórias, as pessoas com quem nutrimos uma enorme amizade, tornam-se rostos esquecidos nos nossos corações. E os meus colegas, que pareciam uns insensíveis diariamente, estavam agora aos abraços e com medo do futuro. 
Senti uma pequena felicidade no peito. Sorri. Sorri abertamente. Que feliz fiquei por um pequeno poema ter tocado tanto nos corações dos meus colegas! Nunca vou esquecer aqueles rostos tão novos, iluminados, aqueles abraços e palavras queridas.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Review: Das Leben der Anderen de Florian Henckel von Donnersmarck

Um filme espantoso que nos enquadra na Alemanha Oriental, DDR (Deutsche Demokratisch Republik), em 1984. Todavia, que de democracia pouco tinha. Esta zona da Alemanha, controlada pela URSS, sobre o regime socialista/comunista, não permitia liberdade de expressão nem liberdade económica. Uma ditadura, portanto.

Das Leben Der Anderen (A Vida dos Outros) é a história de um agente da DDR que se "apaixona" pelas pessoas que investiga. 
Gerd Wiesler é um homem solitário e submisso ao regime, acredita profundamente nos ideias socialistas e condena todos aqueles que manifestam a mínima crítica ao sistema. O soldado perfeito. Wiesler começa a suspeitar de um escritor, que escreve maioritariamente peças de teatro. No entanto, este escritor, Georg Dreyman não tem consciência da aversão que sente perante ao sistema, mas é influenciado pelos seus colegas e companheira, a atriz, Christa-Maria Sieland. 
Porém, mesmo com falta de provas e sem fundamentos para suspeitar de Dreyman, colocam várias escutas em sua casa, e é Gerd Wiesler que fica encarregue desta missão.
Inicialmente não há suspeitas. Georg Dreyman parece fiel e identifica-se com os ideias socialistas. Todavia, no seu aniversário, reúne uma data de amigos, também escritores e artistas, e manifestam o desejo (muito discreta e indiretamente) de atravessar a fronteira, rumo à Alemanha Ocidental, onde não há censura. E um dos seus amigos mais próximos, oferece-lhe uma sonata, Sonate vom Guten Menschen (Sonata para um bom homem), e quando Dreyman a toca no piano, sendo esta lindíssima, Gerg Weisler emociona-se, e sabemos que aí, ele vai protegê-los e não atacá-los.
Este amigo que lhe ofereceu a Sonata, comete suicídio. E inicia-se uma conjetura para publicar num jornal ocidental, o que se passa deste lado da Alemanha. Conseguem arranjar uma máquina de escrever que não está registada na DDR e Dreyman encarrega-se de escrever o artigo. Toda esta conspiração é falada, discutida, e escrita em casa deste. E Wiesler, nada faz. 
No entanto, Dreyman e seus amigos são os suspeitos principais. E raptam Christa para os interrogatórios infernais dos agentes da DDR. Ela acaba por confessar, pois se não o fizesse, nunca mais poderia subir aos palcos.
Greg Wiesler corre para o apartamento de Dreyman e consegue retirar a máquina de escrever.
Christa morre atropelada.
Anos mais tarde, já depois da Queda do Muro de Berlim, e era possível aceder aos registos da DDR, nomeadamente, as investigações secretas que fizeram às pessoas sob-escuta. Dreyman decide ir ler o que tinham sobre ele e fica surpreso por ter tantos dossiers. Quando descobre que teve sempre em escuta, fica estupefacto, não acreditando ser possível, pois foi em sua casa que tudo foi realizado, que tudo foi dito contra o governo. Exige saber quem o escutava. 
Quando o vê na rua, não o consegue confrontar. Provavelmente, porque não há palavras que possam expressar tamanha gratidão. Portanto, dedicou o seu livro a ele. 

Um filme que nos deixa com lágrimas e um sorriso, que nos faz ter uma pequena esperança no peito. Que realmente existem pessoas bondosas, mascaradas pela frieza. Greg Wiesler, um homem solitário e convicto dos seus ideiais, porém era humano, e sentia. E sentiu aquelas pessoas, aqueles dois artistas que eram esmagados pela censura e por um governo que lhes cortava as ideias e os seus talentos. Dois artistas loucamente apaixonados mergulhados. na dor de não poderem expressar os gritos que tinham dentro de si. Não eram unicamente esse casal, mas toda a população alemã da DDR. 

Simplesmente, maravilhoso.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Não ando a lidar bem com a efemeridade. Com a fugacidade do tempo.
Vejo o tempo como se fosse o vento que me escapa ao rosto. O vento que leva sensações, leva caras, leva vida. Leva a minha vida. E miro o rio, as árvores, a ponte lá ao fundo e fico assim apenas, a observar, a mirar.  E vejo as crianças nas bicicletas, as amigas a correrem, o casal ali à beira do rio aos beijos e abraços, e um senhor solitário a pontapear pedras. E eu aqui, de sobretudo até ao pescoço, de gorro na cabeça, tudo para passar despercebida, e apercebo-me que não é a roupa que me fecha, sou eu mesma. A minha alma encerra-se a este mar de sensações, que é a vida. O tempo passa, o vento tem diferentes cheiros todos os dias, o rosto da empregada do restaurante vai envelhecendo todas as semanas, assim como eu, como tu, como nós. A cada segundo que passa, morre-me células, enruga-se-me a pele, os olhos perdem o brilho. São anos que duram, esta metamorfose, mas tudo é tão fugaz, que parecem dias.
Observo as minhas primas pequenas, aqueles sorrisos histéricos, conversas sem sentido, banalidades. E vejo-me ao espelho. Também outrora tive aquelas conversas. Também gostava de roubar os pacotes de açúcar dos cafés dos adultos, pegar nos restos das bebidas, no sal e na pimenta e misturar tudo, ser feliz com esta coisa estapafúrdia! Mas era, era tão feliz. Deixava-me tão alegre, tão distraída. Que bela simplicidade. Gosto de abraçar os corpos pequeninos dos meus primos, e apetece-me dizer "não morram, não deixem esses sorrisos morrerem nas vozes grossas da puberdade, nas vozes que um dia vão dizer coisas horríveis". Mas abraço só e digo adeus. Adeus, boa sorte para os testes. Boa sorte, não faças feridas nos joelhos. Tenta não partir a cabeça enquanto jogas com os teus amigos, ou saltas em cima da cama. Tem cuidado. Beijinhos

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Inveja

Por vezes olho para o meu gato deitado no parapeito da janela,com o sol a iluminar-lhe parte do corpo e invejo-o. Eu, a fervilhar em pensamentos, com dores no peito, na cabeça, sempre em dúvida com o meu ser, e este pequeno corpinho dorme profundamente, sem preocupações, sem questões. Dorme, apenas. Como o invejo! Ser apenas um gato. Não pensar, não sofrer, não entender. Ser inconsciente de tudo isto que me rodeia, não sentir a dor de não compreender, a dor de não conseguir conhecer. Que pleno ele se deve sentir. Ou não. Se calhar não sente nada, apenas o conforto do calor do sol, do abraço do meu corpo, da manta em que pousa. Assim vive ele, fechado nestas quatro paredes, sem consciência da sua falta de liberdade, porém, curioso eternamente no que aqui vê, sejam lápis, talões, ou apenas a tampa de uma caneta. Tudo tão simples. Tudo uma novidade supérflua. Quão feliz eu seria, se todos os meus problemas se dissipassem quando fecho os olhos...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Review: Relatos Selvagens de Damián Szifron

Relatos Selvagens é um filme argentino que contém seis histórias diferentes. Basicamente são vários filmes dentro de um mesmo filme, que acabam por ter uma ligação. Achei o conceito interessante, porém, é diferente. Primeiro estranha-se, pois estamos habituados às histórias contínuas, a conhecer as personagens e seguir uma ação, o que aqui não acontece. Cada história tem o seu tema e as suas personagens, mas vão todas dar ao mesmo conceito: o nosso lado mais selvagem. Estas pequenas histórias apenas afirmam a complexidade do ser humano, e como a sua verdadeira natureza se esconde por trás desta sociedade civilizada e sobre estas máscaras sorridentes que colocamos todos os dias.
(se querem ver, não leiam este parágrafo)

 A história introdutória passa-se num avião. Um homem inicia uma conversa com a mulher que está ao seu lado, provavelmente por ela ser bonita. Conversa de circunstância, mas através desta, descobrem que conhecem uma pessoa em comum. Sendo ele crítico de música clássica, e tendo ela um ex-namorado que era estudante de música clássica, Gabriel Pasternak entra na conversa. O crítico conta o episódio de quando Pasternak compõe uma música e envia para um concurso, uma música, aparentemente, horrível e intragável para os ouvidos. Entre críticas e memórias da personalidade e feitos de Gabriel Pasternak, uma outra senhora intervém, afirmando também conhecer o rapaz. E, por acaso, também não tem boas memórias deste. Demasiadas coincidências para se afirmarem como tal, o crítico exclama bem alto se mais alguém conhece Gabriel Pasternak. Toda as pessoas que estavam no avião conheciam. Incluindo a hospedeira, que vem avisar as pessoas que Gabriel Pasternak trancou-se com o piloto e co-piloto. Já sabemos o final, obviamente. No entanto, o psiquiatra de Pasternak tenta persuadi-lo, dizendo que toda a sua frustração e falhanço na vida são frutos de uma má educação e pressão pelos pais, e que as pessoas que ali estavam não tinham culpa de nada. E onde o avião vai cair? Em cima da vivenda dos pais.

Todas as histórias que se seguem têm este enredo estranho, mas genial, temos de admitir. Todas sobre a loucura, maldade, corrupção, vingança, enfim, que temos dentro de nós, todos nós. As personagens das histórias somos nós. Vemo-nos ao espelho, no que somos capazes de fazer sem nos apercebermos, que num ato de loucura, de impulso, conseguimos ser o que odiamos. Pequenas curtas-metragens impressionantes, extremamente reais e humanas.
Cinema argentino e espanhol já estão na minha lista cinematográfica para serem explorados.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Por vezes tenho uma estranha sensação, uma onda emocional que me atravessa o corpo por breves segundos, que me faz amar a vida. Esteja eu na rua, a sentir o vento gelado no rosto, ou a observar uma cara que nunca antes vi, ou quanto estou com os pés mergulhados no mar. Não sei, a vida tem algo de maravilhoso que se esconde nestes breves instantes insignificantes. Dá-me vontade de correr para o horizonte e esquecer tudo, esquecer-me. Estranhamente, conforta-me. Talvez sejam pequenos momentos espirituais que o meu corpo precisa e alerta-me, não sei, mas é um estado alegre em que às vezes me encontro. O meu corpo, no entanto, prende o que a minha alma deseja. Impede-me de tanta coisa, de tantos sentimentos e sensações que quero viver, sinto que a dimensão da minha alma é enorme para este corpo fraco. Ou talvez não. Talvez todo o meu ser é uma enorme fraqueza e instabilidade. Se calhar sou eu própria que me impeço, que nego tudo o que quero sentir.
Enfim, já nem sei o que estou para aqui a dizer.
É assim que me encontro na maioria dos dias. Perdida, confusa, instável, farta.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Fado de Jonas Rothlaender

Nem sei por onde começar. Talvez por expressar o gosto que tive a assistir este filme. Um filme com uma grande densidade psicológica e emocional, que permitiu uma enorme viagem pelos sentimentos humanos e pelas suas fraquezas.
Aviso já que esta Review é um enorme Spoiler.
O filme inicia com uma filmagem muito breve de ondas do mar. Ondas de metros, cheias de espuma, onde que se atreveria a dar um mergulho, provavelmente não voltaria à tona. Uma coisa muito especial também do filme, é a intensidade do som. Ouvimos as ondas como se estivessem mesmo à nossa frente fisicamente.
Depois é introduzida a personagem, Fabian, um médico residente em Berlim, no seu local de trabalho. A primeira cena é ele a tentar salvar uma paciente que chega das Urgências que lhe atormenta. Pensamos que talvez a conhecesse, mas não. Ela morre e ele permanece inexpressivo e sem emoções, pelo menos, demonstráveis. E na cena seguinte, está Fabian no carro, em Lisboa. Reconhecemos a segunda circular, a praça do Marquês de Pombal, as ruelas lisboetas, enfim. É de salientar que, ao longo do filme, não foi mostrada uma Lisboa turística, mas sim a Lisboa típica, a Lisboa dos portugueses.
Seguidamente, vemos Fabian a observar uma mulher do seu carro, acompanhada por um colega de trabalho, Francisco (interpretado por Albano Jerónimo) o que causa alguma inquietação em Fabian, no entanto, este é uma pessoa reservada e apática, não demonstra, de todo, os seus sentimentos e emoções, ao longo de todo o filme. Fabian segue Doro e mostra-se. Doro fica surpreendida por vê-lo e ao mesmo tempo, incomodada. Mesmo assim, decide acompanhá-lo e passeiam os dois por Lisboa. Reconheço a Feira da Ladra, e Fabian repara num desenho que retrata o terramoto de 1755, e fica durante algum tempo a mirá-lo, até tende a comprá-lo, mas o vendedor faz um preço exorbitante (isto parece irrelevante, eu sei). Doro e Fabian começam a falar sobre a sua relação, o que finalmente ilumina um pouco o visualizador, porque não se estava a entender o enredo até aí. Basicamente, Doro aceitou um emprego em Lisboa e Fabian queria ficar em Berlim, não tendo a certeza que o seu amor iria suportar a distância de 3 mil km. Pelos vistos, não aguentou. E, passeando à beira do Rio Tejo, Doro segura-lhe a mão e decidem tentar.
Tudo parece maravilhoso. Amam-se, estão felizes, até o monstro de Fabian acordar, lentamente.
O ciúme. O ciúme que vai corroendo as células de Fabian, que o vai destruindo. Todos os gestos, sorrisos, palavras de Doro parecem desonestas. Ela anda com outros. Ela difama Fabian. E tudo está na sua cabeça. E é impressionante como o filme é uma viagem dentro da cabeça do Fabian e ao mesmo tempo, da realidade das coisas que vão acontecendo, e chega a uma altura, que nos sentimos perdidos. O que é imaginado e o que é real?
Durante o filme vemos várias vezes, trocas de carinho entre Doro e Francisco, e nem sei se realmente aconteceram ou se era o monstro de Fabian.
Saliento mais uma vez, que Fabian não tem expressão, não tem paixão. É apático, e isso é de estranhar de imediato. Mas sabemos que ama Doro, muito. E perde o controlo desse amor. E vê-se completamente perdido, e precisa de ver o que ela está a fazer, no que ela está a pensar. Começa a persegui-la, a ver o telemóvel dela, a sua máquina fotográfica. É de loucos, mas isto acontece, O ciúme é um dos piores sentimentos que existe, porque é realmente incontrolável, é algo que nos corrói por dentro. Mas é também um sentimento que nasce da insegurança, da falta de amor próprio, da fraqueza. E Fabian era um homem fraco. Tão fraco, que acaba por ficar sozinho.
Uma das cenas que me deixou muito confusa e perplexa é quando Doro decide terminar com ele, e logo a seguir vai para o hotel com Francisco. Fabian persegue-os, entra no hotel e procura o quarto, e começa a ouvir gemidos. Quando Doro sai do quarto e dá-se com Fabian, fica incrédula. E o espectador também, ele só pode ser louco. E assim que ele se vai embora e ela regressa ao quarto, ela desata-se a rir com Francisco e um empregado de hotel. Como assim?
E no fim, percebemos. Era tudo da cabeça de Fabian. A raiva que ele sente dentro de si, que tem de guardar naquele rosto apático, nos olhos inexpressivos, no sorriso forçado.
E vai continuar a persegui-la.
Até ela lhe ligar e dizer que está com outra pessoa, que está tudo acabado,mais uma vez.
E ele vai atrás dela, entra no seu apartamento e aguarda por ela e pelo novo namorado e decide assistir ao momento íntimo. Esta parte é muito intensa. O filme está maravilhoso também pela sua sonoridade. Há muitas paragens, apenas para ouvirmos a respiração, os gestos, as ondas, enfim. E nesta parte assistimos à respiração de Fabian que se vai alterando à medida do que vai vendo. Ouvimos as suas lágrimas, o seu fôlego, os músculos a contornarem-se, até não aguentar, sai do armário e espanca o novo namorado de Doro. E, na sua raiva e momento de irracionalidade, bate também em Doro.
Fabian foge, vai para um bar do Cais do Sodré, solta o corpo, a raiva, a dor. É espancado pelos seguranças e fica deitado numa ruela a chorar, a sangrar. E nesse momento, dá-se um pequeno sismo. Ouve-se gritos, agitação, pessoas a correr. E Fabian vai para o mar a seguir, na tentativa, talvez, de o mar o sugar, como foi em 1755.

Um filme sobre a fraqueza humana e como somos tão profundos, tão complexos, tão incompreensíveis, e como os nossos sentimentos tomam controlo da nossa racionalidade.

Não estou familiarizada com cinema alemão mas vou estar mais atenta no que se faz na Alemanha, porque achei este filme fabuloso, e é curioso ser o primeiro filme de Jonas Rothlaender e este ser tão jovem, um realizador que merece a nossa atenção. A filmagem estava muito boa, a maneira como me senti dentro da cabeça do Fabian, e foi belo ver a minha cidade aos olhos de estrangeiros. Uma personagem disse, e volto a citar "Quando estou feliz, Lisboa está feliz comigo, e quando estou triste, Lisboa está triste comigo. Lisboa acompanha-me" (se calhar não são estas as exatas palavras).

Vejam!

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Review: Brokeback Mountain

Ah e tal, o filme dos paneleiros. 
Não.
Um filme emocionalmente forte. Um filme que treme com todas as nossas paredes preconceituosas, as que ainda existem, infelizmente. 
Não sei, mas o filme mexeu bastante com a minha pessoa. A maneira como duas pessoas se amavam de tal maneira, um amor tão verdadeiro, mas tinham de se esconder e viveram sempre incompletos, com um vazio. É triste, porque é real. Ainda hoje acontece. Uma pessoa não poder ser ela própria, não poder ser feliz. 
O filme retrata perfeitamente esta realidade. Felizmente, caminhamos para uma sociedade mais tolerante. Tolerante nem é a palavra certa porque não há nada de errado em amar as pessoas, sejam de que sexo forem, mas enfim.
Dois homens que se apaixonam, mas que devem esconder esse amor, viverem a sua vida como deve ser, segundo a sociedade. Casam, têm filhos, põem uma máscara, fingem amores, fingem ser. Impedidos de se amarem. E se o fizerem, vivem com o medo dos olhares, dos julgamentos, das agressões. Porque o ser humano é estúpido ao ponto de julgar, violentar, matar alguém por esse amar, simplesmente. O amor, o sentimento mais puro e verdadeiro, o sentimento que une o ser humano! Enfim, transcende-me o facto da homossexualidade ainda não ser aceite, não consigo compreender. E os argumentos de não ser natural, pois não prolongam a espécie são inválidos, pois a homossexualidade sempre existiu. E o mais estapafúrdio é não ser aceite pela religião, ora, pensemos: se Deus é o criador de toda a existência, então criou a homossexualidade, não? 
Vamos amar-nos, vamos acabar com o ódio e com a intolerância. 
Demos as mãos, por favor.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Estou sem imaginação.
Estou frente a este ecrã, com a televisão ligada para não me sentir tão sozinha no apartamento.
O gato está a dormir noutra divisão da casa.
O meu peito está vazio. A minha cabeça também, para chegar a este ponto.
Deveria estar a ler um livro. Ou ver um filme que me faria chorar a noite inteira e questionar a minha existência. Ou não.
Ou posso simplesmente respirar, preencher o meu cérebro de séries superficiais, rir-me, aconchegar-me na manta quentinha, feita pela minha avó, e agradecer aos meus pais mentalmente por me darem este conforto.
Amanhã leio.
Amanhã vejo um filme para pensar.
Amanhã choro tudo o que tenho para chorar.
Amanhã abraço os meus amigos, beijo a minha mãe, vou a um museu.
Hoje, não quero ser nada.
Rigorosamente nada.
Estarei sempre assombrada pela minha mente. Pelas coisas que ela não consegue esquecer, pelos pensamentos e memórias com que ela me ataca às três da manhã, que me impede de adormecer sem um aperto no peito, sem um arrepio na pele. Às vezes, passeio sozinha, e tudo me vem à mente. O abraço apertado naquela rua, as fotografias tiradas naquelas escadas, as conversas debaixo daquela árvore, enfim. E não são apenas fragmentos do passado. São bocados do meu ser. Nunca consegui ver o passado como algo indiferente, algo que se ultrapassa, que se esquece. O passado sou eu. O passado são pessoas que amei, que quis, que senti. Tudo o que foi, eu sou. E sentir-me-ei sempre assim, nunca estarei sozinha. As pessoas que outrora beijei no pescoço, são agora fantasmas que me abraçam nas horas vazias, nos momentos de solidão. É triste, custa às vezes aqui, dentro do peito, mas não posso escapar ao meu ser. Assim sou, assim serei.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O metro está cheio, para variar. Os meus fones estragaram-se, e agora? Bem, fico a observar as pessoas. Agarro o ferro, húmido, rodeada de seres humanos estranhos. Não tenho espaço para tirar o livro da mochila, e mesmo que tivesse, nem tinha espaço para o abrir. Olho para os meus companheiros de espaço. Uma senhora de cabelo apanhado, loiro baço, na casa dos 50, talvez, não sou boa a julgar idades. Tinha uma sombra branca nos olhos, não lhe ficava lá muito bem, na minha opinião. Ia a olhar para os pés, ou para o chão, do pouco que se via dele. No metro, todos parecem tristes, não consegui captar bem a sua expressão. A seu lado, estava uma mãe e a sua filha muito pequena, que me tocou na mão durante a viagem e lancei-lhe um sorriso, o mais sincero que consegui fazer. Também observei um homem, mas não me recordo bem da sua figura. Acabei também por me render ao chão e aos pés, e ficar presa aos meus pensamentos e desligar-me do meu sentido da visão. E pensei em ti. Penso em ti todos os dias, mas nestes espaços vazios e inócuos, nestes momentos de completa solidão e individualidade, vejo-te mais nitidamente. Sinto o teu toque na minha mão, um beijo no cabelo e palavras para me salvar deste sentimento de estar sozinha. Vejo-te no metro, vejo-te na rua quando o vento me bate com força no rosto, vejo-te nas minhas paredes que ouvem os meus gritos, vejo-te deitado nos meus lençóis. 
E assim passam dias, semanas, meses, e continuas a dissipar-me do olhar. 
E assim te procuro, nos espaços dos meus dias, no vazio do meu ser, na rua onde nos abraçamos tantas vezes, no chão que pisaste, nas portas por onde entraste, e tudo é um rasto teu, nosso, que não é mais palpável. E sei que não posso voltar atrás. Só me resta esta esperança, que sabe a tão pouco.