-Maria, já pensaste em termos um filho?
-Um filho, Tó? Estás doido?
-Porque não? Ambos trabalhamos, temos uma casa. Gostava muito que tivéssemos um filho, Maria, a sério.
-Vamos demorar 40 anos a pagar a casa. Eu ganho 800 euros por mês e tu 750. Não temos dinheiro para sustentar uma criança. E eu tenho vinte e sete anos, não quero já um filho, Tenho tanta coisa para fazer ainda.
-E não o podes fazer com uma criança?
-Tó, eu não quero. Pensa bem, dormir duas horas por dia, ouvi-lo a chorar constantemente, comprar brinquedos, que são um balúrdio! Não, não, não. Não estou preparada.
-Não estar preparada é diferente, Maria. Eu não me importo de acordar às 4 da manhã para o ir embalar porque o vou amar incondicionalmente. Como te amo a ti. Maria, seria o nosso fruto, o fruto do nosso amor.
-Isso é tudo muito bonito, António, mas é um fruto que dá muito trabalho. Já pensaste no que é criar um ser humano? É um novo universo na nossa casa.
-Mas é um universo que é a mistura dos nossos universos. Eras tu e eu, fundidos num só. Oh Maria, é tão bonito, por favor. Quero ter um filho teu, e meu,
-Tó, eu amo-te, sabes disso, mas eu não estou preparada para ter um bebé a sair dentro de mim, e ter de cuidar conta dele se nem de mim sem cuidar! E, além, disso, já pensaste no resto? Vamos ter dinheiro para lhe pagar a faculdade? E dinheiro para o dentista? Se ele precisar de aparelho onde vamos arranjar milhares para isso?! E se ele for gay? Vais aceitá-lo? Ou -la! E se quiser ser pintor? Vais aceitar essa profissão? Temos de pensar nisso tudo. Ter um filho não é tão poético como parece.
-Claro que é! Oh, Maria, quero lá saber se ele é gay! Fazemos outro para nos dar netos. Eu vendo os meus quadros para lhe pagar o aparelho. Se for pintor, vou amá-lo ainda mais, porque terá a coragem que eu nunca tive. Oh, Maria, amor, por favor. Ele seria tão lindo!
-Querias lá saber querias! Se ele aparecesse com um rapaz pela mão ficavas na boa? Sim, 'tou mesmo a ver Tó! Temos de ser realistas.
-Claro que ficava! Se ele for feliz, quero lá saber quem ele come! Fico triste por não me dar netos, mas olha!
-Ah ah ah, oh António! Pareces outro. Dá cá um beijo e cala-te. Quando tivermos trinta anos fazemos um filho tá bem?
-Já somos demasiado velhos aí, Maria.
-Não quero abdicar da minha juventude que me resta! Vá vá, já chega desta conversa.
-Fico muito triste com esse pensamento, mas se não estás pronta, olha, vou continuar a sonhar e a imaginá-lo com os teus olhos, o meu nariz, com o teu feitio, com o meu sentido de humor, com o teu andar, com os teus gestos, a pintar um quadro com os meus traços, a tocar piano com os teus dedos, e a sorrir como a minha mãe.
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