segunda-feira, 7 de março de 2016

Leva-me

Afogo os pés nesta água gélida, de um rio algures nesta floresta imensa na qual me perdi. Sinto o frio entrar-me nos ossos como o vento se entra pela casa e solta os papéis pelo chão. Arrepios passam-me pelo corpo frágil. Sempre fui franzina, com pouca carne nas pernas e sem bochechas. A minha avó bem me fazia bolos e biscoitos, e eu comia-os bem, mas nem um milímetro de gordura me aparecia. Com este corpo que me deram, pouco pude fazer com a minha vida, e tudo me dói mais que aos outros. E a minha mente acabou por ficar igual ao corpo. Que tristeza a minha. E agora estou aqui, perdida algures na Natureza, com os pés mergulhados num riozinho gelado, com aquelas pedrinhas pequeninas a picar-me as plantas dos pés, mas já não me custa. Com o tempo, a dor deixa de ser sentida, entranha-se em nós e o corpo habitua-se a ela. Sento-me na relva à beira do rio, e sinto as ervinhas a cravarem-se nos meus poros, abertos devido ao frio que me percorre a espinha. E deito-me. E sinto-as nas costas, a fazerem-me cócegas nas vértebras, no crânio, para me relembrarem da minha fragilidade. E solto os braços, dois palitos fracos, estendidos no espaço e, pela primeira vez da minha curta vida, me sinto mesmo leve. De alma, de espírito, de corpo, de vida. E deixo que o vento me leve, finalmente. Leva-me vento, entre os teus sussurros e as tuas palavras, e deixa-me saborear a liberdade.


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