quinta-feira, 17 de março de 2016

Que os dias sejam todos assim

Estou no metro, de cabisbaixo, a ouvir uma música qualquer, nem estou a atenta à melodia e à letra, estou perdida na minha observação. Observo aquela senhora de pele escura, com o cabelo preso num rabo de cavalo perfeitamente redondo, com feições bonitas, nariz achatado e boca grande. Está a olhar para o telemóvel, um smartphone daqueles carotes, e usa umas leggings muito justas. Está a viagem toda a olhar para o telemóvel, nunca o desvia, nem se apercebe de que está a ser observada. Aborreço-me e encontro uma mulher com o filho ao colo, parecem carenciados, pelas roupas. A mãe parece chateada, agarra o filho com força, com raiva, ignora-o e ele olha para mim, com aquele olhar inocente e brilhante, e sorri. E eu sorrio de volta para aquele pequeno humano, sorridente, porém, parece sofrer naqueles braços raivosos.

Cheguei à última estação. Verifico se tenho tudo comigo, tenho a tendência a perder as coisas pelo caminho. Olho para a direita e lá estão as minhas vítimas de observação, olho para a esquerda e vejo um homem, ainda jovem, de óculos grandes e casaco de ganga. O homem sai do metro muito apressado, excelente para a minha visão julgadora, e observo o seu andar, muito peculiar. Os joelhos inclinam-se ligeiramente para dentro quando anda, e os pés estão muito direitos, no entanto, não deixa de ser engraçado. E observo-o durante minutos, até sair da estação da Amadora-Este, com umas calças justas e sapatos antigos castanhos, aparentando ser um homem cuidadoso com a aparência.  

E chego ao frio da noite, gélido, a sair nuvens do meu nariz e da minha boca. Fecho o casaco e aperto o cachecol, apresso o meu andar para chegar o mais rápido ao quente das minhas paredes acolhedoras e esquecer este dia, como todos os dias. E cruzo-me com um cão e o seu dono. O labrador ainda pequeno, branco amarelado, parece que me sorri, com aquele olhar tão amigável característico desta raça. E uma lágrima pretende soltar-se de mim, lembrando-me o amor que tive a uma cadela labradora, que ainda hoje está guardada no profundo do meu coração. Olho de soslaio mais uma vez para o animal, e sigo em frente, voltando ao normal e ao meu real, que é chegar a casa e encher o estômago pedinte.

Tropeço numa pedra e encho-me de embaraço. Vejo se ninguém me viu e continuo em frente, fazendo uma careta para mim própria. E fico parada no semáforo, uns minutos que pareceram horas, com esta vontade tremenda de chegar e de me livrar desta gélida noite! 

As ruas encontram-se desertas a esta hora. Acelero o passo, porque tenho medo. Sou um ser frágil e tenho medo. Apresso, quase a correr, para chegar a casa. Tiro a chave do bolso de fora da mala e enfio-a na fechadura. Encontro um vizinho no elevador, lá tenho de falar e sorrir e fingir que sou um ser simpático, adorável e social. E falamos sobre o tempo, sobre o quão gelada está a noite, num dia de Março, e como as alterações climáticas se notam em exagero. Adeus, uma boa noite, com licença. O vizinho sai, graças a Deus, e eu entro na minha casa, a correr para o quarto, ligar o aquecedor, e comer o bacalhau com natas da minha mãe. Que os dias sejam todos assim.

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