Vou contar a minha triste história, igual a milhões de histórias, um cliché de livros, de filmes, até da vida real.
O meu pai saiu de casa tinha eu 11 anos. O desaparecimento dele dos meus dias cavou um buraco na minha alma que não se consegue preencher. Continuei a vê-lo e a sentir o seu amor mas nunca mais senti os abraços calorosos de quando chegava a casa do trabalho, e o sorriso dele a contar o seu dia, o seu brilho nos olhos quando ouvia o meu. Depois daquele dia, em que pegou nas malas e saiu pela porta da frente, tudo se tornou negro. Os olhos ficaram baços, os sorrisos forçados e os abraços secos.
A minha mãe entrou em depressão. Na altura eu não sabia o que isso era. Ela chorava muito, eu jantava sozinha e, muitas vezes, os cereais do pequeno-almoço, ela demorava quase duas horas a ir-me buscar à escola e faltava muito ao trabalho.
A minha avó salvou-me. Um dia, ela chega a minha casa. A minha mãe estava fechada no quarto, sob o efeito de comprimidos. A minha avó abraça-me, aquele abraço parecido ao meu pai.
- Minha azeitona, queres vir para a casa da avó por uns tempos? - disse-me ela, com tanto calor na voz.
- E a mãe? Ela está triste.
- Não te preocupes, a tua mãe continuará a ver-te, mas a mãe agora precisa de estar sozinha para voltar a ser o que era, compreendes, minha querida? Já és crescida.
Aquela palavra foi como um tiro no meu coração. Já sou crescida? Sou crescida para compreender que a minha mãe está deprimida porque encontrou a solidão no amor?
Lembro-me de baixar a cabeça e da minha avó a entrar no meu quarto a puxar-me por um braço.
- Leva o que tu quiseres, meu amor.
Peguei no meu diário, numa fotografia da minha família outrora feliz, o meu estojo e os livros da escola, enquanto a minha avó punha minha roupa numa mala enorme.
- Não queres levar as tuas bonecas?
-Não preciso delas.
Agarrei nuns livros e dei à minha avó, e bastavam-me. Encontrara a tristeza demasiado cedo.
Vivi na minha avó durante uns meses. O meu pai jantava lá de vez em quando. Via a minha mãe aos fins de semana.
Quando voltei para casa, a minha mãe já sorria, já cozinhava. Mas também bebia, fumava, muito. Levava as amigas para casa, e eu ficava fechada no quarto a ouvi-las berrar e a falar de homens.
Os anos passaram.
Lembro-me de ter 16 anos.
Havia um rapaz da minha turma que me olhava de uma maneira que nunca tinha sido olhada. Quando os nossos olhares se encontravam, eu perdia o olhar e sentia aquelas tais borboletas na barriga que tanto me apareciam escritas nos livros. Mas fugia. Fugia daquilo. Porque quando chegava a casa, via a minha mãe com uma garrafa de Whiskey na mão. Via o meu pai duas vezes por mês com uma mulher que me era estranha e feliz, esquecendo-se aos poucos da minha própria felicidade. O amor é efémero, e corrói as almas.
Cheguei aos 20 anos sem nunca ter beijado outros ser humano. Chorava no meu quarto porque fui privada de amar. Não conseguia amar nada. Senti-me sempre uma fraca, impotente. Culpo alguém? Claro que culpo. Não culpo o meu pai por ter saído de casa, porque o amor acaba. Mas culpo a minha mãe não ter sido forte e lutar pela sua filha. Ela não estava sozinha. Tinha-me a mim, que precisava mais dela que nunca. Porque me fez isto? E o meu pai, que se apaixonou por uma rapariguinha 15 anos mais velha que eu e também se foi esquecendo da sua filha?
Hoje tenho 36 anos. Saí de casa. Nunca amei. Gostei, mas fugi sempre do amor. Porque afinal, eu sou fruto daqueles dois seres e não queria acabar como eles. E não, não vou ter filhos. Não quero que eles chorem no quarto sem eu saber. Não quero que eles sintam que não são amados o suficiente. E, sobretudo, não quero que nascem numa casa destruída. Sou livre, hoje. Livre na medida do que posso ser. Porque infeliz vou ser sempre. E estou presa a essa infelicidade, mas ao menos aprendi a amar o que sou.
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