domingo, 12 de fevereiro de 2017

Memórias

A minha professora de Português do oitavo ano deu-nos um trabalho, logo no início do ano, em que cada aluno deveria trazer um pequeno texto para ser lido para a turma, todas as semanas. Esse texto poderia ser um conto, um poema, um excerto, enfim, apenas para não ficarmos restritos ao manual escolar e conhecer o que se faz para lá do que nos é ensinado. Achei interessante e fiquei entusiasmada. Não me recordo se foi por ordem alfabética ou se a professora escolhia, mas sei que não fui das primeiras. Os meus colegas levavam na maioria contos e fábulas. Eu queria fazer uma coisa diferente. Não queria só uma história e a sua moral, queria que os meus colegas ficassem abalados, que sentissem o texto. Andei a procurar pequenos textos ou poemas que falassem sobre algo que poderia tocar nos corações de todos os meus colegas, e que ficassem com um sorriso ou uma lágrima nos rostos. E encontrei o poema perfeito, de Fernando Pessoa, sobre a amizade. Não era bem um poema, estava estruturado em poema. Quando o li, doeu-me o peito, um peito que nem sabia o que era o amor, que nunca tinha sofrido, apenas vítima de paixões de crianças, que naquela altura parecia o fim do mundo.
Recordo-me perfeitamente dos nervos que senti ao estar à frente de todos os meus colegas. Sempre fui a rapariga tímida e calada, mas sei que os meus colegas gostavam de mim e simpatizavam comigo. No entanto, ao estarem todos a olhar para mim atentos, provocava-me tremores na voz, tendo eu também uma enorme insegurança na minha voz e postura. Contudo, quando acabei de ler e olhei para os rostos dos meus colegas, vi a tristeza. Aqueles meus colegas que passavam a vida a gozar com as mães uns dos outros, estavam agora com um brilho nos olhos, a trocarem palavras queridas entre si. Pois o poema dizia, muito resumidamente, que a amizade acaba. Cada um segue o seu caminho, e aqueles momentos partilhados tornam-se memórias, as pessoas com quem nutrimos uma enorme amizade, tornam-se rostos esquecidos nos nossos corações. E os meus colegas, que pareciam uns insensíveis diariamente, estavam agora aos abraços e com medo do futuro. 
Senti uma pequena felicidade no peito. Sorri. Sorri abertamente. Que feliz fiquei por um pequeno poema ter tocado tanto nos corações dos meus colegas! Nunca vou esquecer aqueles rostos tão novos, iluminados, aqueles abraços e palavras queridas.

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