Atravesso a rua. A mesma de todos os dias. Já conheço as flores de cor. As flores que tentam escapar por entre as pedras da calçada. Gosto de olhar para cada uma entre as minhas pressas para apanhar o comboio. São milésimos de segundo de distracção no stress do meu quotidiano.
E lá vou eu, a apanhar o comboio das nove e trinta e dois.
Vou lendo as páginas do meu livro ao longo dos dez minutos de viagem. Sabe-me sempre a pouco. Por vezes penso que regressar ao meu velho hábito de percorrer a linha de metro inteira não seja má ideia, só para ter mais tempo de viagem pelos meus livros.
A professora vai falando. Tento perceber mas as distrações são tantas. A música que ouvi à pouco através dos fones, ainda está a ecoar na minha cabeça. Estão sempre pessoas a passar do outro lado da janela, e o meu pescoço tem sempre a tendência de conduzir a minha cabeça para a esquerda e observar cada rosto que passa. Penso em ti, às vezes. Tento não o fazer, que me dá sempre um dor leve no coração. Mais palavras e reacções à minha volta, a quais a minha mente tenta fugir.
Almoço.
Biblioteca. Que bem o meu coração está agora. Sentar-me entre a literatura irlandesa e americana, e estudar rapidamente e depois descer para a literatura portuguesa. Gosto muito dos poemas da Sofia. E do Al Berto. De vez em quando, aproveito intervalos de minutinhos para vir ler um verso. Uma sobremesa para a minha cabeça.
Já passa da hora da aula. Honestamente, faço de propósito. Quero que sintas a minha falta durante um pouco. Eu sei que não sentes, mas o meu coração acha que sim. Tem pena dele, não aprende. Olá, como estás, perguntas-me com um brilho no olhar. Estou bem, e tu. Estou bem, estou bem. E começas a falar e só olho para as tuas mãos, para os teus olhos, para os teus lábios. Estás triste? Não perguntes essas coisas. Não, estou bem. Não parece. Claro que estou triste, só te quero fazer cafunés e dar-te a mão no São Jorge, e dançar Blues pelas ruas de Lisboa. E oiço-te, oiço com atenção, pelo menos tento. Mais pessoas aparecem e fico na sombra, na tua sombra ou na sombra dos outros e desapareço. Sinto-me a desaparecer. Nem olhas para trás. Eu só queria que olhasses para trás e sorrisses. Só queria que dissesses adeus.
E assim, desapareceste.
Voltei para o comboio.
Voltei para a rua.
Desta vez, não olhei para as flores. Olhava para as nuvens e desejava que chovesse. Eu só queria que chovesse.
Chego a casa.
Abraço o meu gato. E, levemente, choro no seu pelo.
E amanhã tudo se repete.
Mas amanhã vou olhar para as flores. Vou sorrir-te. E não vou olhar para os teus lábios.