Vou começar pela triste: o meu primeiro desgosto. Tinha eu três anos. Estava em casa da minha avó, à mesa, um jantar de família normal. A toalha de mesa era de um verde natalício. E lembro-me da voz da minha mãe ao meu ouvido, uma voz doce e triste, que me diz "Inesita, a Babi morreu...foi atropelada. Desculpa, filha..", e sei que fiquei sem resposta, sem expressão, sem reação. Não disse nada. E depois disso, a minha memória falha-me, mas esse momento ficou-me. Talvez por ser a primeira morte, mesmo sem ter tido consciência disso, provavelmente não sabia o significado da morte, da sua obscuridade, do que ela implicava. A cadela que eu tanto adorava, desapareceu. Dormíamos juntas, partilhavamos comida, dançavamos, Pelos menos são que as fotografias me dizem. Olho para as fotografias com um vazio. Eu não me lembro dela, eu não conheço este ser, não sei quem eu era com ela. Mas lembro-me do seu desaparecimento, lembro-me do meu pequeno desgosto ingénuo, uma tristeza inconsciente talvez. Não me lembro do que fiz, mas lembro-me do que senti. E ainda hoje penso nela, e ainda choro por ela. Nunca me esqueço, nunca me vou esquecer.
A feliz é também uma memória da minha infância. À noite, eu e o meu irmão pedíamos ao nosso pai para brincarmos à Múmia ou ao Monstro, um jogo, digamos, de terror. Apagávamos as luzes,o meu pai fazia de múmia, enrolado em mantas, e nós os dois, duas crianças ingénuas, esperávamos pelos seus movimentos, e gritávamos e ríamos. O monstro era também às escuras, onde o nosso pai entrava pelo quarto silenciosamente e quando chegava ao pé de nós, gritava e fazia de monstro. Era a pura alegria. Ríamos e ríamos, duas crianças, dois bebés, felizes, sem preocupações. Mas isto eu lembro-me perfeitamente, Lembro-me de rir e não pensar em mais nada, apenas naquela felicidade passageira. E vivia para aquilo, era a minha alegria, o meu desejo.
E é isto que fica. Ficam as sensações bem guardadas. As pessoas vão, as coisas morrem, mas nunca me esqueço do que elas me fizeram sentir, levo tudo comigo, a minha enorme bagagem de sensações e sentimentos, todos os dias. E não é pesada, de todo. Pelo contrário, faz-me sentir leveza.
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